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Foi Dante, na sua Divina Comédia, que pela primeira vez chamou de bel paese ao povo e ao lindíssimo país que hoje vai a votos e cujos resultados eleitorais são de nosso interesse, não fosse Itália a terceira economia do clube a que também pertencemos, o Euro, e um dos principais destinos do que exportamos.
O poeta que inventou as nossas visões do Paraíso, do Inferno e do Purgatório até parece que profetizava a dificuldade que é governar aquele pedaço do mapa europeu em forma de bota, onde os governos duram, em média, pouco mais de um ano. Com as eleições de hoje, os italianos vão para 68 governos em 72 anos, quantos os que leva a república saída do pós-guerra, em 1946.
Ainda assim, durante décadas, a economia italiana em alta e uma administração pública profissionalizada e descentralizada aguentaram a instabilidade política e até o desvario e a corrupção. Mas a crise das dívidas soberanas também bateu forte, por lá, a pontos de a Itália atingir uma das mais altas taxas de desemprego entre os pares europeus enquanto o seu sistema bancário ameaça ruir.
O filme até podia ser cómico... se não fosse trágico. Num tempo em que a Europa e meio mundo desdenham do cobói louco que os americanos colocaram ao volante, cai-nos em cima a maldição, agora em versão italiana, num misto de populismo e xenofobia, contra a moeda única e o avanço do projeto europeu. As previsões para hoje dão vantagem ao Movimento 5 Estrelas, do comediante Beppe Grillo, que arrecadará entre 25% e 30% das intenções de voto. Mas tudo indica que o verdadeiro vencedor nem sequer é candidato, por impedimento judicial: Silvio Berlusconi, esse mesmo, dono de um império financeiro e mediático, volta a ser a figura central da cena italiana, já que nenhuma solução de governo, entre os favoritos nas sondagens, dispensa o apoio do seu partido. É a Forza Italia, uma organização populista e liberal à imagem do seu líder e fundador, nascida sobre os escombros do velho sistema que sucumbiu à célebre operação Mãos Limpas e à judicialização da política que decapitou as elites dos partidos tradicionais.
Mesmo não se apresentando às eleições de hoje, Il cavaliere fez distribuir milhares de folhetos e cartazes com o slogan "Berlusconi, presidente". O que, não sendo possível, é pelo menos um mau presságio. Saído do mausoléu, aos 81 anos, ele é hoje o retrato decadente de alguém que parece ter sido embalsamado em vida, cabeleira implantada, dentadura de anúncio a pasta dentífrica, e produto ambulante do botox, porventura do viagra. A verdade é que, no reino do postiço que comanda os nossos dias e em cujo trono se instalou Trump, desde há um ano, o italiano leva três décadas de avanço.
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