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1. As actuais dificuldades criam a oportunidade para se discutir as funções do Estado, e as formas de as exercer, nas sociedades modernas. O Estado não pode ser uma realidade, definitiva, estática, indiferente ao que se passa à sua volta, e, muito menos, uma entidade com uma vontade própria que procura impor à sociedade envolvente. Grande ou pequeno, não deixa de ter uma relação com as circunstâncias em que se insere. Se tivéssemos mais professores, juízes ou militares que um país muito maior, isso deveria fazer-nos reflectir. Ainda assim, poderia haver uma justificação: pense-se em Israel. As comparações internacionais são úteis, mas não são tudo. É preciso, depois, descer à análise concreta. Por exemplo, um destes dias surgiram uns números sobre as nossas forças policiais. Os seus efectivos totais estão, mais ou menos, alinhados com outros países de população semelhante. Contudo, numa análise mais detalhada, verifica-se uma carência de operacionais, consequência de haver muitos graduados. Muitos chefes e poucos índios! E em Portugal, já se sabe, mandar significa pôr os outros a trabalhar. Exigir que se recrutem mais elementos é coerente com esta maneira de pensar e agir. Como se combate esta situação? Se não for antes, quando não houver mais "índios" encontrar-se-á uma solução...
2. "Reduzir na economia, reforçar no social" aparenta ser a proposta do Governo. Em muitas actividades económicas em que ainda mantém presença, não há uma razão de fundo justificativa para a existência de empresas públicas ou, pelo menos, para a sua gestão pública. Uma regulação eficaz pode garantir melhores resultados. Os cépticos invocarão exemplos. Citarão os combustíveis, as telecomunicações ou a electricidade. Expressam, a maior parte das vezes, preconceitos que subsistem por não haver trabalho rigoroso e independente sobre a qualidade da regulação em Portugal. As universidades são o espaço, por excelência, para o promover. Enredadas num enquadramento político nebuloso não têm sido capazes de fornecer o alimento para a discussão de que o país hoje, mais do que nunca, carece.
3. O propósito de promover um Estado mais focado em funções sociais pode seguir vários modelos. A solidariedade social é um dos poucos domínios em que a sociedade portuguesa foi capaz de gerar uma oferta própria, de mérito reconhecido. À medida que o modelo económico e demográfico gerava cada vez mais excluídos, muitos deles idosos, muitas dessas instituições foram-se tornando dependentes do financiamento público. Agora que os recursos escasseiam, aplica-se a regra do "quem parte e reparte...", fundamentada na racionalidade imposta pela austeridade. A mesma que permite sugerir fusões de portos ou centralização da gestão da oferta cultural. O argumento é igual e rende dividendos: há serviços que podem ser partilhados. Aplicado "em casa" conduziria a uma drástica redução no número de ministérios! Por que não começar por aí?
4. Reforçar a centralização, ou fazer do social coutada própria, não são boas regras para a reforma do Estado. O Estado actual é um monstro. A dieta pode não o tornar menos horrível. Nem matar a predisposição para voltar a engordar...