O país à beira-mar plantado em que nos calhou nascer e crescer é hoje liderado por um primeiro-ministro estranho, inconsistente, capaz de dirigir a grande teimosia que o caracteriza para o melhor e para o pior, capaz, até, de perder a noção da realidade e nos tomar por tolos, gente que não se governa nem se deixa teimosamente governar.
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Quando Pedro Passos Coelho diz ao país que o "choque de expetativas" causado pelas medidas que constarão do próximo Orçamento do Estado "pode comprometer a retoma da economia", por via de uma retração no consumo das famílias e no investimento privado, está a dizer que ou comemos o que nos cairá no prato e calamos, ou, fazendo barulho para lá dos decibéis que os ouvidos de Passos suportam, o caldo pode entornar outra vez.
Há nesta declaração do primeiro-ministro uma ingénua conjugação de fatores. Passos diz - e aqui com razão - que medidas como o corte nas pensões ou nos salários estão previstas desde maio, altura em que assinou com a troika um documento jurando que elas seriam postas em marcha para cumprir o défice.
O problema não é esse. O problema está em tratar os portugueses como um bando de distraídos, para dizer o menos. Se Passos quer controlar o "choque de expetativas", não pode aceitar que o seu número dois (Portas) e a sua número três (a ministra das Finanças) digam hoje o que os factos desmentirão amanhã. É óbvio que, mesmo que antecipadamente conhecidas, medidas com o alcance do corte nas pensões provocarão ondas de choque até ao dia da sua entrada em vigor. Se o Tribunal Constitucional chumbar o corte, as ondas cederão o passo a um terramoto.
O modo como é feita a gestão política de dossiês tão sensíveis como este é contraproducente, por lhe faltar clareza e transparência, seriedade e verdade. É estranho, é quase masoquista, como diria o presidente da República: os portugueses sabem que 2014 será um ano terrível e temível; os portugueses ainda não sentem no bolso as consequências da ladainha segundo a qual "o pior já passou"; os portugueses sabem, mas o primeiro-ministro não sabe, ou não quer saber, que os portugueses sabem que ele não sabe, ou não quer saber. É estranho.
Ou talvez não seja assim tão estranho. Num país em que o esbulho do dinheiro dos contribuintes passa incólume e em que a crimes graves são aplicadas penas leves, com frequência e tantas vezes sem explicação óbvia, nesse mesmo país uma mulher é condenada a três anos de prisão efetiva por injuriar magistrados, essas figuras respeitáveis que estão acima e para lá do Estado.
Neste mesmo país, o presidente da Câmara de Montalegre usa o site do município para atacar o diretor de um agrupamento de escolas. Enfim, é um país divertido. Sem rumo, mas divertido.