Michel Lotito foi daquelas figuras bizarras que, nada dando ao progresso da humanidade, ganham fama pela capacidade única de fazer coisas estúpidas. Era conhecido em França como “Monsieur Mangetout”, justamente porque comia tudo o que não fosse comestível. Entre a tralha que deglutiu ao longo da vida temos bicicletas, televisores, um caixão com as suas asas metálicas e, garantindo dois anos de refeições, um pequeno avião Cessna 150.
Cheguei a ele, cuja existência até então desconhecera, por um vídeo publicitário no telemóvel, promovendo um guru motivacional que, no pressuposto de ensinar empresários a trilhar o caminho da fortuna, falava do avião comido. Resumindo, para ter êxito importa fazer como Lotito. Metaforicamente, claro: partir os grandes problemas em pedacinhos e comê-los um a um. E aí entra a palavra mágica - salvem-nos dela! - destes fazedores de sucesso (do próprio sucesso, se o público pagante for numeroso): resiliência.
Quando tropeço nestes artistas de variedades, recordo sempre “The rainmaker”, um filme de 1956 com Burt Lancaster e Katharine Hepburn. O protagonista, um charlatão prometendo fazer chover a troco de dinheiro, em terra martirizada pela seca e em plena Grande Depressão, é mestre na retórica adequada a fazer pasmar quantos, pelo desespero (como poderia ser pela ambição), engolem o que lhes dão sem pensar no que comem.
Esse distúrbio alimentar, chamemos-lhe assim, favorece tanto os tais gurus - Tom Cruise, em “Magnolia”, orientando homens timoratos para serem machos implacáveis - como aqueles, mais afoitos, que decidem criar uma religião ou fundar um partido político, ocos de conteúdo mas embrulhados em espalhafato. E atrativos para muita gente, como as raspadinhas levando os descamisados desta vida a gastar o que têm e o que não têm.
O denominador comum é um público que se abstém de pensar, ou não sabe fazê-lo de forma estruturada. O progresso deveria dar às pessoas mais qualidade de vida, dar-lhes tempo. Mas a regra, hoje, é a pressa, a falta de disposição para parar e tentar perceber o Mundo. E compreender que abunda por aí matéria indigesta: Michel Lotito, o homem que comeu lustres, esquis e, até, uma placa que o “Guinness Book” lhe atribuiu, morreu com 55 anos.

