Do jogo maluco das tarifas
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Há jogos estúpidos que ajudam a explicar algo do comportamento humano (que por si só, em muitos momentos, não é menos inexplicável). Se todos já ouviram falar da roleta russa, também alguns já devem ter ouvido falar do jogo do precipício ou do muro (e suas cambiantes). Neste último, dois ou mais jogadores, para provarem a sua coragem ou outra qualquer coisa que devem valorizar dentro do respetivo grupo, combinam que declaram o mais corajoso aquele que, numa corrida contra um precipício, for o último a parar antes de se despenhar (ou embater, se estivermos na cambiante do muro).
Por um lado, arriscam-se a morrer ou a ficar gravemente feridos se não pararem a tempo; por outra via, arriscam-se a perder o título para o mais maluco e, simultaneamente, afortunado, do grupo.
O valor esperado é claramente negativo, a menos que exista uma coligação entre eles para despacharem o mais exposto/o mais tolinho contra o precipício (ou contra o muro).
Uma guerra de tarifas recorda períodos em que o “vil metal” era discutido como a principal fonte de progresso das nações. Uma das fases mais famosas desta linha de pensamento foi o período mercantilista, desde o bulionismo ibérico até à sofisticação colbertista, na França. O que importava era acumular dinheiro - fosse dentro de potes e bules, fosse por garantir que as exportações eram claramente superiores às importações. Como externalidades negativas, dispararam a pirataria, a falsificação da moeda e o contrabando.
Hoje, sendo ainda cedo para se perceber a extensão última desta guerra anunciada de tarifas, podemos ainda assim desenhar cenários esperados se a mesma se agravar.
Em climas de protecionismo, perde a maioria dos consumidores, dos empresários e dos investidores. Perde o consumidor, porque regressa ao tempo da mercearia da aldeia, tendo de se contentar com os produtos disponíveis. Perde o empresário, porque tem de se contentar com os fornecimentos disponíveis. Perde o investidor, porque tem de se contentar com os capitais disponíveis.
Como no jogo do precipício, das duas, uma - ou ganha o mais tolinho que aguentou a carestia ou ganha a coligação que ficou a ver o outro a despenhar-se.