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Para evitar equívocos, devo dizer que, enquanto republicano, sou defensor do Estado laico. Mas, como dizia um doente do Conde Ferreira, também não sou burro e, por isso, reconheço a importância da religiosidade cristã na génese, desenvolvimento e consolidação da identidade cultural do povo português. E, sem dúvida, do nosso Burgo.
E como muitos enchem a boca com o povo (mas, no fundo, consideram-no votante útil), sucede que se instalou no país – e o Porto acompanhou sem reservas – espécie de pudicícia iconográfica no sentido de varrer alguns antigos símbolos natalícios do espaço público. Particularmente o Presépio, praticamente ocultado das nossas vistas, talvez por vergonha de sentimentos provincianos, não ofender memórias "esclarecidas" ou passar por moderno e cosmopolita. Não sei.
Sei que quando tal processo se prenunciava, em 2006, o, para mim, melhor cronista dos finais do séc. XX, Manuel António Pina, publicou no JN um texto brilhante, com o título provocatório: "Quem tem medo do Presépio?". E nele escreveu palavras admiráveis e premonitórias: "(…) montar um presépio, mesmo só de palavras, é hoje, em tempos de medo, um gesto de memória e de pertença, senão de rebelião. Hoje temos medo da memória, isto é, temos medo do que somos".
Acontece que recebi um mail com uma reportagem de Nova Iorque (como sabemos, cidade parola, que nem votou em Trump), mostrando, em Times Square, um ecrã gigante onde passavam imagens das figuras de um Presépio em movimento. Com frases alusivas ao seu significado. De maneira que ou eles ou nós, alguém an-da muito enganado sobre o Presépio.
* Professor e escritor
O AUTOR ESCREVE SEGUNDO A ANTIGA ORTOGRAFIA