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Ainda vou a tempo de falar se o S. João resiste à digitalização, à pegada de carbono, à I.A., às redes sociais, ao défice das contas públicas, ao excesso de turismo, à desertificação, ao alojamento local, ao envelhecimento demográfico, à expulsão de moradores, à Baixa esburacada e entaipada, etc. Pelo que vi e me disseram, o S. João persiste e – ó mistérios urbanos -, em alguns aspectos, revigora-se.
Afinal, os profetas da desgraça não têm razão: o Porto mantém a resistência, não à mudança (que faz parte da sua natureza) mas ao abastardamento da alma (porque, e bem podem os neo-positivistas dizer cobras e lagartos, considero que as cidades têm alma e quanto mais a assumem mais são capazes de entender a mudança). Pelos factores ocultos dos reencontros, assistimos ao renascimento de uma tradição dada como perdida.
Era assim: em bairros operários, ilhas, alguns largos e ruas, a vizinhança armava arraial. Dele faziam parte convívio, música e baile, comedorias e decorações de papel. E alegria. Contida, como impunham as normas. Sobre tudo isto, salvo em alguns sobreviventes, caiu o esquecimento e o silêncio que o êxodo de milhares de portuenses trouxe como inevitável.
Quase sem darmos por isso, a tradição renasceu, firmando novas raízes, ampliando-se e repetindo-se, Cidade fora, passeios e ruas são ocupados por mesas, cadeiras e assadores improvisados, que juntam moradores, convidados e turistas em amena comezaina. Até onde não se passava nada, isso acontece. Ainda bem. Para mim, que acredito nestas coisas, é um sinal da persistência da memória. E da reinvenção da cidade.
*O autor escreve segundo a antiga ortografia