Do striptease ao manto de suspeição
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Ficou célebre a intervenção de Passos Coelho na Assembleia da República, quando se recusou fazer o “striptease das contas bancárias”, depois de um pedido inusitado do então líder da Oposição. Mais de dez anos depois desse episódio, tivemos mesmo um primeiro-ministro a expor aos deputados os rendimentos pessoais e do seu agregado familiar, satisfazendo o populismo rasteiro que está a fazer escola no nosso país.
Luís Montenegro não era obrigado a fazer estas revelações. Não só elas ultrapassam as fronteiras do escrutínio parlamentar, como já estão disponíveis - através do registo de interesses a que qualquer titular de cargos políticos está obrigado - informações acerca do seu património, da origem dos seus rendimentos e de potenciais incompatibilidades. Mas o líder do Governo quis ir mais longe nos esclarecimentos e dar um bom exemplo de transparência, face a casos menos felizes com o que o país se deparou nos últimos anos.
O problema é que ir além do que a lei determina já não parece suficiente no tempo que vivemos. Nos últimos dias, foram várias as vozes que se fizeram ouvir na opinião pública, exigindo ainda mais detalhes a Montenegro sobre a atividade da empresa familiar. Boa parte da Oposição reverberou a mesma ideia, apostando em criar um facto político e atingir a credibilidade do adversário. E o Chega, por sua vez, esfregou as mãos de contentamento, ao conseguir criar a manobra de diversão que pretendia, após os sucessivos embaraços em que se viu envolvido nas últimas semanas.
Tudo isto pode divertir muito o que hoje se designa por “bolha mediática” e entreter as redações dos jornais em busca de um novo escândalo. Mas é profundamente perigoso medir todos os casos pela mesma bitola e tratar qualquer existência fora da política como um potencial ato corruptivo. Não só este manto de suspeição mina a confiança dos cidadãos nos seus representantes, como legitima o discurso do “são todos iguais” e abre caminho à demagogia e ao justicialismo.
As implicações deste ambiente político-mediático deviam fazer-nos a todos refletir. A continuarmos no mesmo registo, dentro de uma década não teremos nenhuma pessoa com valor interessada ou disponível para servir a causa pública.