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Incapaz de tomar a iniciativa, e de antecipar as medidas que se impunham face à grave situação do país que tardou em reconhecer, ignorando todas as advertências, o Governo geriu os destinos da nação como se estivéssemos em vésperas de eleições, esgravatando o fundo dos cofres como se não houvesse amanhã. Com a crise do euro, indisponíveis para suportar uma crise idêntica à da Grécia, as potências europeias perderam a paciência, e obrigaram Portugal a mudar de rumo, o que constitui uma profunda humilhação. O primeiro-ministro regressou assim a penates, obrigado a dar o dito por não dito, e condenado a abandonar as suas bandeiras eleitorais e as suas reiteradas promessas.
Enquanto o ministro das Obras Públicas tentava esquivar-se ao vexame e o ministro das Finanças anunciava um novo aumento dos impostos, o primeiro-ministro esforçava-se, sem grande convicção, por justificar por que razão tudo aquilo que nos vinha dizendo passara a ser irrelevante, aproveitando a divulgação das estatísticas sobre o crescimento económico para uma última bravata em que reclamou para Portugal o improvável estatuto de campeão.
Numa semana em que os festejos pela vitória do Benfica e a comoção causada pela visita papal dominaram a actualidade mediática, e em que a Função Pública goza umas apropriadas miniférias, o Governo viveu uma trégua oportuna. Provavelmente, resistirá a mais esta crise, porque o presidente da República não está interessado em criar convulsões e a Oposição não quererá precipitar eleições que a obriguem a assumir as rédeas em tempo de crise. Sócrates não caiu mas, como dizem os brasileiros, teve que "cair na real".
Naturalmente, e depois de terem metido na gaveta algumas das tão badaladas obras públicas, que pelos vistos não eram a cura milagrosa para o mal português, os socialistas vão tentar resolver o problema do défice através do aumento da receita, invocando razões ideológicas que mascaram a sua conveniência eleitoral. Afinal, o rendimento mínimo e as benesses do funcionalismo público valem muitos votos e são a tábua de salvação dos socialistas que, certamente por isso, se recusaram seguir o exemplo espanhol. Resta saber se o anémico crescimento económico resiste à contracção do consumo interno ou se, lá para o Verão, o Governo será forçado a impor uma redução séria da despesa primária, ou outro qualquer dos sacrifícios a que nos vai condenando a conta-gotas.
O que o primeiro-ministro não disse, mas todos os portugueses adivinham e os investidores já perceberam, é que doravante, a política portuguesa estará ligada à máquina; ou seja, à rotativa do euro, que é controlada por alemães e franceses. Nem os analistas nacionais querem admitir que a reacção optimista dos mercados apenas demonstra que estes só confiam na salvação da nossa economia desde que esta se vergue às exigências que nos são impostas pela Europa. Aliás, se a Bolsa de Lisboa recuperou grande parte das perdas que vinha acumulando e o custo da dívida pública baixou, é porque os mercados preferem que Portugal seja governado a partir de Berlim. Não deixa de ser curioso que, neste ano em que se comemora o centenário da República Portuguesa, se assista à submissão do Governo a um ultimato porventura mais severo e humilhante, a longo prazo, do que aquele que levou à queda da Monarquia.
Desta vez, Portugal não abdicou das suas ambições territoriais sobre o mapa cor-de-rosa, mas teve de abdicar da sua soberania económica e de abandonar a política cor-de-rosa de José Sócrates.