Dois americanos em Portugal
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Todos, em algum momento da nossa vida, somos colocados perante situações em que temos de reconhecer que fomos incapazes de ver uma realidade óbvia ou de aproveitar uma oportunidade que, afinal, sempre esteve ali bem perto de nós. E normalmente é outrem que nos dá essa lição, de forma clara e serena. Robert Sherman, o novo embaixador dos Estados Unidos em Portugal, e Garrett McNamara, também americano e surfista, são dois dos mais recentes amigos de Portugal, justamente porque nos ajudam a ver o que temos e quem somos.
O embaixador deu uma entrevista ao "Dinheiro Vivo", publicada ontem, onde se diz positivamente surpreendido com Portugal. Descontando as palavras simpáticas, que ficam bem a qualquer diplomata residente, Sherman deixou três ideias fortes, que do meu ponto de vista importa reter.
A primeira ideia é o potencial que encontrou no país, apesar da crise e do programa de assistência. A paisagem, a gastronomia e a cultura, certamente importantes, exigem um povo acolhedor, empreendedor e inclusivo. E o diplomata vê nos portugueses essas qualidades, que considera serem críticas para a atração de turistas e investimento externo.
A segunda ideia é a vaga empreendedora protagonizada por startups muito inovadoras e aguerridas, que querem triunfar nos mercados internacionais. Embora se trate de uma arrumação sintética, que tem no terreno muitas variantes e declinações, o embaixador sinalizou a indústria transformadora no Norte, a biotecnologia no Centro e os serviços em Lisboa, para além do turismo. É curioso o pensamento territorializado, algo que anda muito ausente dos manuais das jotas que formam os ministros e secretários de Estado deste país.
Por fim, Sherman refere-se à necessidade premente de Portugal se saber vender bem a si próprio e aos portugueses. Regista, aliás, a emergência de uma nova geração de nacionais que sabem e se querem vender internacionalmente.
Esta ideia de que Portugal e os portugueses valem mais do que parece é transversal a todos aqueles que viveram ou trabalharam noutras paragens. Bem me lembro dos primeiros tempos em que, estudante de doutoramento nos início dos anos 90, fui exposto a realidades consideradas de excelência, sobretudo nos Estados Unidos, e pensar "também temos isto em Portugal!", ou "somos capazes de fazer isto em Portugal!". Mas também pensava "não sabemos apresentar o nosso produto desta forma, fazer o "embrulho" da qualidade, da excelência e da estética como esta gente". Assim sendo, vendemos mal, ou não vendemos.
Maria José Guerra, diretora de uma grande empresa na Alemanha, dizia em entrevista ao Jornal de Notícias de 5 de Julho que os alemães têm sido intoxicados pela "verdade oficial" de que os portugueses gastam muito, produzem pouco e não têm as qualidades para competir num mundo moderno. Esta construção, que não corresponde propriamente à realidade, existe muito por culpa nossa. Vendemos mal.
Um outro americano, Garrett McNamara, veio a Portugal em 2011 e surfou a maior onda do Mundo. 30 metros, mais ou menos 10 andares! Para quem sofre na luta com ondinhas de metro e meio, confesso que me sinto... esmagado. Bom, mas voltando ao que interessa, após a vinda de McNamara a Nazaré acordou, entrou no mapa de um nicho de turistas que, à escala global, tem grande dimensão, e apresenta hoje uma dinâmica espetacular. Este autêntico upgrade a um modelo de negócio outrora assente na pesca e na praia trouxe lojas, espaços de lazer, merchandising, novas pranchas para ondas grandes e até uma mascote. Tudo aquilo que, a partir de uma realidade territorial pequena, é capaz de vender e projetar internacionalmente. Quando cá vem, McNamara passeia-se na vila e distribui simpatia e sorrisos, afinal valor em forma de reconhecimento, algo a que as autoridades local e nacional do turismo se têm mostrado atentas.
No fim do dia, a lição a retirar surge em forma de pergunta: "A onda da Nazaré não estava lá há milhões de anos?". Ou, de forma mais direta: "Estamos atentos aos recursos endógenos, mesmo aqueles que estão mesmo à nossa frente e se renovam a cada minuto, como uma simples onda?" Lições de americanos.