Causou grande alarido o caso do cabo da GNR, fotografado a fazer striptease numa discoteca de Oliveira de Azeméis. Exibindo a arma de serviço, o jovem de 32 anos adstrito ao posto dos Carvalhos, em Vila Nova de Gaia, terá dado quatro shows eróticos no passado Dia da Mulher, para gáudio de uma inquieta assistência de quarentonas, mais hormonais. Não podendo ser acusado de utilizar a farda de serviço - porque, notem bem, teve o cuidado de despir -, o rapaz enfrenta agora a acusação de "comércio ilícito de material de guerra", crime pelo qual poderá vir a ser punido com um a quatro anos de cadeia. Tendo em conta o universo feminino que ululou com a actuação, assalta-me a dúvida sobre se a expressão "material de guerra" se refere exclusivamente à dita arma de serviço - uma Glock modelo 19 - ou se, ao invés, visará outro tipo de material igualmente perceptível à cintura durante a actuação. A fazer fé na informação de que a arma não podia ter abandonado as instalações da Guarda sem a devida autorização, estaremos porventura perante a primeira das hipóteses, dada a impossibilidade física de o cabo abandonar a esquadra, deixando para trás a segunda.
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Este caso tem o grande mérito de recentrar a actualidade nacional na importante questão da acumulação da actividade pública com a privada, mais ainda, dada a apetência de quem legisla para exigir exclusividade apenas a determinadas classes profissionais, em detrimento de outras: da classe politica, por exemplo. Parece-me menos desculpável que um funcionário público em exclusividade utilize o seu tempo livre para compor um vencimento (público) com duvidosas actividades (privadas), do que o faça privadamente utilizando um ou outro adereço público. Porém, não tendo habitualmente as chefias moral suficiente - dado os telhados de vidro da coisa pública - para acusar quem quer que seja de amoral (esbarrando decerto nas liberdades individuais do cabo, enquanto cidadão), logo trataram de deslindar a inusitada acusação de "comércio ilícito de material de guerra", como se a arma tivesse sido transaccionada ou, pior ainda, como se os atributos remuneráveis da actuação se devessem única e exclusivamente à Glock modelo 19 com que o cabo ficou vestido no final, desvalorizando assim a cotação dos seus abdominais (ou até, da outra arma, quiçá também 19), para a definição do cachet. Estou certo que se algum subchefe pícnico da GNR tivesse sido convidado a exibir o seu pneu abdominal no aniversário da septuagenária governanta da messe dos oficiais - ainda solteira - decerto que o cachet teria sido significativamente menor, mesmo que o subchefe ousasse exibir-se no final somente com uma Kalashnikov à cintura, "material de guerra" igualmente subtraído à revelia ao museu da GNR. Parece-me haver aqui, indiscutivelmente, uma certa dose de invídia da parte de quem o acusou.
Ora, desnudar-se este episódio ao pormenor é absolutamente fundamental, agora que, à semelhança do cabo, parece andar por aí outro talentoso jovem com idênticos conflitos de exclusividade. Passos Coelho - assim se chama o "artista" - terá igualmente recebido um cachet por trabalhos privados prestados enquanto funcionário público em exclusividade. Desconhece-se o valor que o cabo terá auferido pelas ousadas actuações, mas, já o jovem Coelho, e de acordo com o gabinete da presidente da Assembleia da República, terá coleccionado 4 815 000 escudos, o equivalente a 24 mil euros, nos anos de 1996, 1997 e 1999. Ao que se diz, algum do valor auferido pelo jovem Coelho resultou de artigos escritos para jornais - o que só aumenta a minha admiração - rendimentos da categoria B que, em pelo menos duas situações, o próprio classificou, naturalmente, no item das "actividades artísticas".
Quero desde já manifestar a minha total solidariedade com os dois. Com o cabo que apenas quis amparar mais algum - porventura para suportar o custo da própria farda! -, mas fundamentalmente com o jovem Coelho que, vendo-se desprotegido, teve inclusive de solicitar um subsídio de reintegração de cerca de 60 mil euros, exactamente para se "reintegrar" no mercado de trabalho, apoio esse que, como se sabe, está ao alcance de qualquer classe profissional. Ele apenas deu o exemplo. E que exemplo!
Depois disto, que ninguém volte a dizer que é fácil a vida destes "artistas" em Portugal.