1.Quem tenha presente a troca de palavras entre o primeiro-ministro e o líder do Partido Socialista no último debate quinzenal na Assembleia da República, só pode dizer que o diálogo entre ambos se tornou impossível. O tom agressivo e desnecessariamente bélico usado por Pedro Passos Coelho indiciava uma rotura entre ambos que só poderia ser prejudicial à pretensão do Governo de encontrar consensos mínimos nalgumas matérias consideradas essenciais. "Em que ficamos, senhor deputado, quer mais défice ou não? Como o senhor anda pelo país a ouvir as pessoas, diga também às pessoas o que podem esperar do PS... Explique o inexplicável e, depois disso, talvez a gente possa voltar a conversar".
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As medidas anunciadas por António José Seguro, "medidas simples e que não custam dinheiro", para estimular a atividade económica e criar emprego, foram olhadas com sobranceria e distância pelo primeiro-ministro, vistas como mera propaganda de quem anda a prometer o que não pode e a falar do que não sabe.
Mas o que propôs o secretário-geral do PS?
Que os juros a pagar pelos contribuintes ao Estado sejam iguais aos que o Fisco exige dos contribuintes; que os lucros reinvestidos nas empresas tenham um tratamento mais favorável do que os lucros distribuídos; que haja uma conta-corrente entre o Estado e as empresas, por forma a que as dívidas do Estado sejam créditos das empresas, nomeadamente para o pagamento de impostos; que a Caixa Geral de Depósitos, como banco público, assuma as dívidas do Estado às empresas, pagando-as e recebendo depois do Estado, e que sejam renovadas as linhas de crédito à exportação; que seja alargado o tipo de garantias aceites para reembolso do IVA; que se pondere o "crowdfunding", também conhecido por financiamento colaborativo ou financiamento coletivo; que se reduza o IVA da restauração para os 13%; e que seja revista a lei tributária, por forma a agilizar os planos de recuperação das empresas.
Propostas sensatas, que António José Seguro afirma resultarem de trocas de pontos de vista com a Troika e com os parceiros sociais, mas consideradas " uma desilusão" pelo PSD.
O seu destino, previa-se, seria uma vez mais a rejeição pela maioria parlamentar que, por sistema, chumba tudo o que tem origem nos partidos da oposição.
Usando a figura do agendamento potestativo como forma de contornar a falta de abertura da maioria, o PS consegue ver debatidas e votadas no Parlamento as "suas" medidas na passada quinta-feira. E, surpresa das surpresas. Num volte-face em relação ao tom assumido no debate quinzenal, a maioria que suporta o Governo validou as propostas socialistas, com exceção das duas últimas. Na bancada destinada ao Governo na AR, ninguém, para evitar confrontos difíceis de assumir.
Foi, sem dúvida, um momento diferente. O Governo soube recuar e, pela primeira vez, deu sinais no sentido de encontrar pontes com o maior partido da oposição. O CDS, uma vez mais, desempenhou o papel importante de moderador. O PS marcou pontos, sem dúvida. O Governo, também. Mas levou tempo de mais à maioria a entender que não é procurando esmagar os adversários políticos que se consegue levá-los a encontrar consensos.
2. Esta semana, Teixeira dos Santos deu à TVI a sua primeira entrevista de fundo desde que deixou o Governo. A expectativa criada era grande, depois de tudo o que se tinha dito sobre os últimos tempos do Governo liderado por José Sócrates e especulado sobre os eventuais desentendimentos do primeiro-ministro com o seu ministro de Estado e das Finanças. Não faltou quem se sentasse no sofá à espera de ver o sangue a jorrar em resultado de sucessivos golpes desferidos num ex-primeiro-ministro que alguns querem ver morto e enterrado, para mais facilmente culparem de tudo o que de mal acontece no nosso país. Mas não. Esses, ficaram definitivamente frustrados. Ao contrário do que esperavam, Teixeira dos Santos reiterou que se o Parlamento tivesse aprovado o PEC IV se teria evitado o resgate e que as medidas expansionistas que aplicou, então, se deveram à estratégia definida pela União Europeia no Plano Barroso para estímulo à economia.
Para mim, nenhuma surpresa. Fernando Teixeira dos Santos foi igual a si próprio - responsável, sério e digno. E proporcionou um momento de elevação na vida política que não é habitual entre nós.
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