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O próximo Papa vai estar confrontado com dois legados: o mais populista de João Paulo II e o mais racionalista de Bento XVI. Ambos os legados são de tamanha dimensão que o próximo a ocupar o lugar dificilmente poderá fugir à tentativa de conciliar as obras dos seus dois antecessores. Por um lado, a Igreja Católica precisa de ultrapassar a sua própria crise, que, de algum modo, acompanha a crise do nosso Velho Continente, e esta exigência apela a um Papa andarilho e romântico como foi João Paulo II; por outro lado, a crescente complexidade dos desafios dos conhecimentos e das ciências apela a um Papa cientista como Bento XVI.
Não será fácil encontrar alguém que reúna o melhor dos dois últimos chefes da Igreja Católica, porque qualquer deles foi muito bom no modo próprio com que desempenhou a função. Ademais, de formas diferentes, ambos deixam um património de coragem: João Paulo II por se ter empenhado no derrube do bloco soviético, Bento XVI por ter reposto verdade em alguns contextos doutrinais, ação cujo exemplo mais comezinho é o da retirada histórica de animais do presépio representativo do nascimento de Jesus Cristo.
Perante o invulgar peso destas duas heranças, percebe-se que as primeiras reações tenham sido para acarinhar a ideia de que o próximo Papa possa ser alguém jovem e de fora da Europa.
Mesmo que numa eleição deste tipo a juventude possa principiar por volta dos 60 anos, parece evidente que a disponibilidade física deverá ser um elemento de ponderação, tendo em conta a necessidade que a Igreja de Roma sente de peregrinar em busca de novos católicos e sobretudo de católicos mais praticantes. Por isso também é que a geografia de origem do próximo Papa parece ser outro elemento central na escolha que os cardeais de todo o Mundo hão de fazer.
Posta a questão nestes termos, a grande incógnita reside no comportamento que o aparelho de Estado do Vaticano irá ter. Certamente que a Cúria romana estará certa da imponência do desafio da conquista apostólica e de que a revisão de algumas verdades históricas deve ajudar a credibilizar esse esforço de divulgação da fé.
Menos certo será que, à imagem de outras máquinas administrativas e burocráticas, a Cúria romana não ceda à tentação de, acima de tudo, tentar controlar os danos de dois outros desafios: o da completa identificação e punição segundo as leis dos homens dos protagonistas de escândalos sociais, sejam os da pedofilia ou os das finanças, e o de um lugar para a mulher na primeira linha dos ministros da fé.
Sendo certo que a Igreja Católica dispõe das melhores ferramentas para analisar os tempos que correm e os que hão de vir, talvez possamos acreditar que o próximo Papa ajude a ultrapassar a atual crise mundial.