As eleições legislativas em França e na Grécia foram claras e inequívocas quanto à cabal rejeição popular das políticas de austeridade que se tinham transformado no "pensamento único" da União Europeia, obediente à cartilha imposta pelo "eixo franco-alemão" na original interpretação da dupla, Merkel & Sarkozy.
Corpo do artigo
A maioria dos franceses e dos gregos, na primeira oportunidade para se pronunciarem em eleições democráticas, lavrou a sua sentença: queremos a Europa e a união monetária mas o caminho para sair da crise reclama a solidariedade dos povos europeus na defesa das suas instituições políticas e dos valores comuns inspiradores da construção da União, se não quisermos que a Europa desapareça a breve prazo, arrastada no sorvedouro da economia global e dos egoísmos nacionais, subjugada pelos interesses obscuros dos "mercados" e pela despudorada ganância da finança internacional. Encurralados entre os novos desafios da economia globalizada e a supressão dos mecanismos nacionais de ajustamento monetário em consequência da adoção do Euro, seria sobre os povos do Sul que iriam recair os custos dos desequilíbrios internos de uma "federação" inacabada e claudicante. Desta perversa conjuntura emergiu a afirmação da liderança alemã, acolitada pelo Presidente francês agora derrotado, e a hegemonia de uma orientação política reacionária indiferente ao significado civilizacional das conquistas sociais que legitimaram a própria construção europeia. Para alguns, isto foi encarado como a grande oportunidade para experimentar os dogmas requentados de velhas doutrinas económicas e, a pretexto de combater os seus vícios, encetar uma cruzada contra o Estado e as suas aquisições cívicas e democráticas.
O significado e o alcance das eleições presidenciais francesas e das eleições legislativas gregas são naturalmente muito diversos e as suas interpretações, inevitavelmente precárias. O que é certo, em primeiro lugar, é que a aparente unanimidade que suportava as políticas de austeridade, que lhes emprestava uma reputação de invulnerabilidade que as imunizava contra a crítica e o debate público, negando a possibilidade de alternativas, foi pacificamente desmentida pela vontade democraticamente expressa dos cidadãos de dois estados membros da União. E, em segundo lugar, rasgaram-se novos horizontes aos povos europeus que lhes prometem uma participação mais ampla na construção do futuro da União e na procura do seu próprio destino. Desta nova esperança se fez eco Mário Soares, com a generosidade e o entusiasmo de sempre, em desassombradas declarações públicas que logo provocaram ressentimentos agrestes e desencontrados sobressaltos. Por um lado, denunciando as apreensões daqueles que temem o fim da aceitação resignada da sua obstinação. Por outro, motivando o empenhamento dos que acreditam que a democracia vai prosseguir o seu caminho, numa era marcada pela irresistível aproximação entre os povos e a gradual diluição das fronteiras. O caminho é sinuoso mas o tempo do combate cívico, do confronto pacífico de ideias, da ousadia dos projetos e da discussão de alternativas, esse, está de volta.
E é agora chegado o momento de prestar a devida homenagem a Miguel Portas que tão precocemente abandonou o nosso convívio. Encontrara-o recentemente, na inauguração de uma exposição sobre os trabalhos de seu pai, o Arq. Nuno Portas, em Guimarães - Capital Europeia da Cultura - tão cordial e entusiasmado que parecia ter debelado definitivamente a sua terrível doença. Efémera ilusão. Combinamos conversas urgentes e despedimo-nos até breve... Que falta faz a sua voz e a sua rebeldia, sobretudo, agora que uma renovada esperança nos comove!