Corpo do artigo
Paulo Otero, o jurista ultraconservador que em 2010 propôs num exame de Direito Constitucional a comparação entre o casamento homossexual e a união de pessoas com animais, quer agora criar o estatuto fiscal da dona de casa. A intenção benévola de conferir rendimentos e uma pensão na velhice a quem trabalha no seio do lar serve, na realidade, a agenda misógina, atávica e bafienta do Movimento Ação Ética. Porque a ideia não é incluir todos os que, por escolha ou circunstâncias de vida, se dediquem ao trabalho doméstico e familiar. O dito estatuto destinar-se-ia exclusivamente a mulheres porque, na visão de Otero e de outros teóricos de uma visão bafienta da sociedade e da família, há coisas que só elas podem fazer.
O dito Movimento - que entre os fundadores conta também com Bagão Félix, outro dos coordenadores da obra “Identidade e família”, apresentada na semana passada por Pedro Passos Coelho num evento que serviu ainda para André Ventura anunciar o apoio a uma putativa candidatura do ex-primeiro-ministro a Belém - vai anunciar um conjunto de propostas em breve. Uma delas deverá ser alterar o programa da disciplina Cidadania e Desenvolvimento, que leciona perigosos conteúdos como direitos humanos, educação ambiental e igualdade de género. Mas já se sabe quais são os seus ódios de estimação: aborto, casamento homossexual, eutanásia e o que apelidam de “ideologia de género”.
Não por acaso, tudo isto acontece quando Portugal tem um Governo e uma maioria parlamentar de Direita. E na mesma semana em que o Parlamento Europeu aprovou uma resolução histórica no sentido de incluir o aborto nos direitos fundamentais da União Europeia. Entre os que votaram contra estão quase todos os eurodeputados do PSD e do CDS. Em linha com a posição de Luís Montenegro, que censurou a prevalência do direito à autodeterminação da mulher.
Otero já assumiu que gostaria de enterrar o 25 de Abril e não é certamente o único que padece do mesmo saudosismo da cartilha do Estado Novo e que convive muito mal com a igualdade de oportunidades e o direito à diferença. São os que não perceberam que mulheres, homens e tod@s podem, sim, ser don@s de casa e de tudo o que quiserem.