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No mundo empresarial, há sempre algo mais a conquistar: mais lucro, mais inovação, mais crescimento. Mas até que ponto essa insatisfação não tem a sua base na biologia?
O nosso sistema dopaminérgico não responde à recompensa em si, mas aos desvios entre expetativa e realidade. Embora este mecanismo não tenha mudado, os tempos sim! Num mundo ancestral, com oportunidades limitadas, cada ganho inesperado motivava o primata a procurar mais, aumentando as suas hipóteses de sobrevivência. Hoje, num contexto de abundância e difusão tecnológica, esse mesmo mecanismo joga contra nós. Leva-nos a ignorar a clareza de os recursos detidos serem suficientes, empurrando-nos para um círculo vicioso de querer mais, de procurar mais... de consumir mais.
A esta mudança, junta-se a fomentação de uma cultura de pressão, de uma cultura onde o "ficar para trás" é sinónimo de fracasso.
Neste contexto, e focando-nos no mundo empresarial, acredito que seja difícil para os líderes sentirem-se satisfeitos. Há sempre uma inovação tecnológica a aplicar, um esforço rumo ao futuro brilhante, seguindo cegos sobre as implicações no capital humano. De facto, preocupa-me esta incessante procura pela inovação tecnológica, com relatos de que estamos a começar a perder o controlo do que criamos e com a possibilidade de a inteligência artificial evoluir autonomamente. Junta-se a isso a difusão da tecnologia em todas as áreas de atuação.
Numa organização, desprovida de motivação própria, é a do líder que dita o rumo. Um líder menos cético? Mais riscos para a organização e para o seu capital humano. É importante avançar, mas com um nível de precaução cada vez maior e com um investimento em educação ao mesmo nível, ou superior, ao tecnológico. É preciso educar de uma forma holística, não restringindo a formação ao uso técnico das ferramentas. Compreender a biologia humana - por exemplo, como a dopamina molda as decisões e é modulada pelo meio - permite tornar fatores externos mais conscientes e, por isso, mais controláveis internamente.
Num mundo de abundância, cada escolha traz crescentes custos de oportunidade, criando a sensação de que nunca é suficiente. Torna-se crucial desacelerar, refletir e redirecionar a tal cultura. O verdadeiro desafio dos líderes, então, talvez não seja correr atrás da próxima novidade, mas saber quando parar. Porque até que ponto este "querer mais" não nos levará ao momento em que já não teremos sequer a liberdade de querer mais?