
O Porto de hoje é uma cidade com mais mundo do que alguma vez foi. Alguns portuenses queixam-se até de que já tem mundo a mais; ou que se sentem estrangeiros na própria terra. Uma cidade loquaz e indócil como esta não poderia deixar de debater intensamente o turismo e a "gentrificação". E não faltam discussões metafísicas sobre a identidade do Porto, mesmo que, no século XVIII, quando os ingleses já modelavam a dita-cuja, o inglês David Hume tivesse percebido que as identidades são ilusões, porque fixas num mundo em mudança (como Heráclito, dois mil anos antes).
Mas faria bem ao Porto, por vezes, esquecer o mundo e ocupar-se do mundano.
Há zonas onde se sente pouco a presença da Câmara para além dos serviços mais básicos. Falo de lugares onde os portuenses moram.
Há freguesias que não têm uma praça ou um jardim dignos desse nome, como Ramalde, pese embora os seus quase 40 mil habitantes.
Não temos, como Alvalade, os 70dB de ruído aeroportuário, mas temos os voos diurnos e noturnos de motas cujas turbinas podem emitir 100dB.
Não há uma rede de transporte público escolar e passeios há que lembram carreiros alpinos, de tão delgados e pejados de trambolhos; há ruas inteiras sem uma árvore à vista e arquipélagos de "ilhas" abandonadas à sua sorte.
Azevedo, um enclave miraculoso de quintas, hortos, muros velhos, córregos, pequenos bosques, que devíamos estimar como quem estima um tesouro, parece tão longe quanto o Gerês.
Com 255 pessoas atropeladas em 2024, atravessar a rua é o verdadeiro problema de segurança do concelho, atenuável com investimentos modestos. Há cruzamentos, como o do Carvalhido, onde o sinal verde para os peões é enganoso, porque não impede a circulação de carros vindos dos eixos perpendiculares ao do atravessamento. Não espanta que, há tempos, o mal-estar se tenha manifestado na Rua de Costa Cabral, com alertas para o excesso de velocidade e a exigência de passadeiras alteadas.
Oxalá o ciclo governativo agora iniciado esteja disponível para trabalhar para este Porto mundano, pedestre, apartado das cenografias turísticas. Oxalá saiba apontar o telescópio dos Paços do Concelho aos pequenos mundos portuenses que rodam em torno do sol ofuscante da Baixa e do Centro Histórico. São mundos habitados por vida inteligente.
