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A lancha Flor do Gás foi, durante décadas, mais do que um barco: foi uma ponte de vida. Ligava a Afurada, em Gaia, ao Cais de Lordelo, no Porto, levando pescadores, peixeiras, trabalhadores e crianças entre margens. Era tradição e parte vital do quotidiano ribeirinho. Hoje, essa travessia renasce sob forma de projeto-piloto, pela mão dos Transportes Metropolitanos do Porto. E eu aplaudo. Sempre acreditei que o rio devia ser mais que moldura – devia ser caminho. E quem trabalha a mobilidade urbana tem essa visão de forma muito clara. Ligar o Porto à Afurada, por barco, é devolver mobilidade às cidades-rio, é lutar para ter menos carros a andar às voltas nas cidades.
O rio não é apenas para ser contemplado, é para ser usado com responsabilidade. É via pública líquida, caminho suave, parte de uma rede maior que nos devia levar de casa ao trabalho sem ruído, sem fumo, sem pressa. É lembrar que o Douro não é só postal para turistas, mas rua líquida para quem trabalha, estuda e vive. Não queremos ver nascer outra Veneza – bela, esvaziada, museu de si mesma. O barco que agora flutua sobre o Douro não é uma gôndola romântica. É um transporte público e deve ser ferramenta de mobilidade, de justiça urbana, de reencontro e competitividade. Mas este gesto só terá força se for pensado com seriedade: horários, passes e pequenos interfaces. Esperar o barco deve ser confortável. Este barco deve ser das pessoas. Do quotidiano. Do direito a atravessar o rio sem ter de pegar no carro.