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E quando todas as grandes questões de aritmética e comentário dos analistas apontavam à governabilidade da Câmara Municipal do Porto (CMP) como o grande desafio de Pedro Duarte, eis que o novo presidente da Câmara utiliza as suas últimas vinte e quatro horas oficiosas, antecâmara da tomada de posse, para surpreender tudo e quase todos com um convite que lhe permite governança, estabilidade e - seguramente - a cultura em boas mãos. Corresponde à ambição. O convite surpreendente de Pedro Duarte é revelador da argúcia e experiência política de quem assegurou querer afirmar-se como o protagonista da liderança do Norte, algo que seria dificilmente compatível com uma navegação camarária à vista desarmada, casuística, gincana feita de tentativas de acordo à sua esquerda e à extrema-direita.
O espírito democrático vai para além do tacticismo. Pedro Duarte teve a humildade de entender como bom o projecto de Manuel Pizarro para a Cultura da cidade que Jorge Sobrado protagonizou em campanha. Após os anos da herança cultural de elevação com que Rui Moreira indiscutivelmente enlaçou o Porto - pela noção da Cultura como prioridade para o crescimento e afirmação da cidade, confirmada por um orçamento para a Cultura que não deixava mentir -, Pedro Duarte reconheceu na oposição alguém que lhe permitiu reconsiderar a anunciada reivindicação da pasta da Cultura, colocando o seu foco na liderança de um novo e exigente ciclo político, evitando comparações abusivas ao espelho com doze anos de Rui Moreira, pondo fim imediato a um pesadelo à vista. Não é pouco para um dia zero, com a vantagem de começar no dia um.
Se atentarmos à qualidade da companhia, olhar para um mandato maioritário de Pedro Duarte não convoca nem aconselha a solidão nas decisões. Com um mandato para exercer a sua visão de cidade e da região, apostando na liderança da Área Metropolitana como uma boa exigência, Pedro Duarte tem na sua companhia, para além de Jorge Sobrado, tanto dentro do seu Executivo como na sua oposição à esquerda, alguns dos melhores vereadores que a cidade do Porto poderia ter escolhido. É nessas pontes, sejam elas forjadas na liberdade de concordar ou alicerçadas no respeito pela divergência, que sempre se forjou e emancipará o Porto, liberal e democrático, de futuro. Esta possibilidade de entendimento, chapelada ao país, é uma tarefa de todos e, quer queiramos quer não, a única hipótese de salvação do sistema democrático tal como (ainda) o conhecemos.

