O taxista que na passada sexta-feira me transportou entre a Estação de Santa Apolónia e a Rua Maria Trindade, em Lisboa, é um tipo raro, no bom sentido: não fala de mais nem de menos, fala com moderação e, mais importante, sabe do que fala. A dada altura, falou-me das Festas de Lisboa, aproveitando o facto de estarmos a passar por um táxi transformado.
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Ato contínuo, entregou-me, como suporte para o que dizia, uma brochura muita bem feita: boa estética, boa informação. Estava ali a explicação para a viatura que avistáramos: trata-se de um "tele táxi teatro". Sim, um táxi não é - não tem de ser - apenas uma cabina com rodas, como um teatro não é - não tem de ser - apenas uma sala com cadeiras. Táxi e teatro são, "antes de mais, lugares de todas as circunstâncias e acontecimentos", como se lê na dita brochura.
É, de resto, dessa união entre o acontecimento (as Festas de Lisboa) e a circunstância (o gosto e o gozo que os lisboetas delas podem retirar) que resultam as propostas constantes na pequeno livrinho que o taxista me entregou. Há ascensores públicos da cidade vestidos a rigor (isto é: enroupados com texturas e padrões alusivos à capital). Há instalações várias que desafiam quem passa. Há gente nova a cantar hip-hop nos transportes públicos. Há robots que cantam na estação de metro do Cais do Sodré. Há canto no Aqueduto das Águas Livres. Há fado nos elétricos que circulam pela cidade. Há isto tudo durante um mês.
Quer dizer: Lisboa aproveitou as tradicionais Festas para fazer a festa, sim, mas teve a capacidade de perceber que era tempo de misturar tradicional e contemporâneo, na tentativa de reforçar laços identitários com quem está e de abrir os braços a quem vem.
Lisboa mudou a programação do mês do Santo António para chamar as suas gentes a participar na festa, mas com novos olhares, incentivando-os a viverem a cidade em que habitam e a dar sentido e sentidos aos lugares que o quotidiano transforma em não-lugares. Foi este o caminho que fez de Guimarães, Capital da Cultura um assinalável êxito.
Numa palavra, Lisboa reinventou as Festas para, em certo sentido, se reinventar a si mesma. Não consta que os cofres da Autarquia tenham ficado especialmente depauperados com os gastos desta notável intervenção.
Hoje é Dia de São João no Porto. Há festa rija, na mais longa noite do ano. Mas apenas isso, porque a cidade permanece estática, incapaz de se reinventar, incapaz de se partilhar enquanto festeja, incapaz de ser uma cidade ao mesmo tempo vivida e sonhada. É preciso abrir os olhos ao mundo e aos outros para fazer este caminho. É preciso Cultura, essa palavra maldita para quem, como os responsáveis da Câmara do Porto, desconfia da própria sombra. É uma pena.