Embalados nas discussões internas, sobre o que deve ou não ser feito, tendemos a esquecer que a actual crise não tem solução no quadro de um só país, muito menos Portugal. Mais ainda: podendo ter tido na economia a sua espoleta, não se resume a ela, nem se resolve nela. Por ter uma dominante política, e ocorrer num quadro de globalização, é que esta crise é tão preocupante, em especial na União Europeia.
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Sócrates acreditava que os nossos problemas tinham a sua solução sobretudo a nível europeu. Talvez por isso, confiou de mais nos seus "amigos" e na sua capacidade de os influenciar e obter deles solidariedade, acabando por pagar caro essa aposta, ao descurar a frente interna. O actual Executivo aprendeu mal a lição e achou que, se seguisse acriticamente as recomendações dos seus "amigos" (os mesmos de Sócrates!), tudo se resolveria. Regressou o mito do bom aluno, obediente, que nada questiona. Como estava bem de ver, políticas únicas (ignorando as especificidades nacionais) e unidimensionais (quase só economia) só poderiam dar no que deram, mais a mais quando as decisões são tomadas tarde e sem convicção. A capa do "Economist" de há um mês ("the sleepwalkers" - os sonâmbulos - a caminharem para o abismo) vale mais que mil palavras. A chegada de Poiares Maduro ao Governo criou expectativas. Infelizmente, um homem com um currículo construído e reconhecido internacionalmente, que trazia uma dimensão cosmopolita a uma equipa em que a mesma escasseava, corre o risco de ter o mesmo papel que o porta-voz do governo de Saddam. Os briefings diários chegam tarde e procuram, pelo excesso, compensar a falha anterior. Ainda assim, manda a verdade, com ele começou-se a ouvir falar mais de Europa e o próprio primeiro-ministro admitiu a necessidade de políticas que atendam à forma assimétrica como os vários problemas se manifestam em cada país.
Se não há uma solução apenas com políticas internas, não as há sem elas. Em várias frentes o Governo caminhou na direcção certa: ao nível das condições de base, Portugal está hoje mais próximo dos padrões internacionais; deram-se passos para corrigir vários excessos, com o bom exemplo a vir da área da Saúde; a diplomacia económica recebeu novos impulsos; na solidariedade social, não obstante as hesitações, valorizou-se o papel das IPSS; na Defesa e Administração Interna há iniciativas meritórias. Mau era que assim não fosse. Acontece, porém, que talvez inebriado pelos elogios que iam obtendo no exterior (tal como Sócrates!), o Executivo foi perdendo o contacto com a realidade interna e viu crescer a contestação na mesma medida em que ia reforçando a arrogância e o autismo do discurso. Estou em crer que, em termos de popularidade, os danos não serão sanados a tempo das eleições de 2015. Passos Coelho já faz parte da história.
A bem do país, no entanto, é essencial que, até lá, haja mudanças na atitude política do Governo que permitam reabrir o diálogo, de facto e não apenas no discurso, com os parceiros sociais e vincular o PS a algumas das reformas, em especial no domínio fiscal e da Justiça. O ponto a que se deixou chegar a situação torna o volte-face tão mais difícil quanto urgente, requerendo uma profunda remodelação que reponha a política no posto de comando.
A entrevista do presidente da CAP, tido como sendo próximo da área política do Governo, é elucidativa e demolidora: na Concertação Social, o Governo está completamente isolado. O seu apelo ao envolvimento de Cavaco Silva não deixa margem para dúvidas: também aqui é preciso um impulso externo que desbloqueie o impasse e reponha a confiança. Quanto às relações com o PS requer-se consistência e visão estratégica. Quando, ao que parece, a mesma está mais nos grupos parlamentares (que aprovaram um conjunto de propostas dos socialistas, mantendo pontes) do que no primeiro-ministro (que, fazendo recordar Sócrates, havia, no dia anterior, hostilizado gratuitamente o líder da Oposição), dir-se-ia que a renovação deveria começar por cima. Nas organizações, quando é mesmo preciso que algo mude, é quase sempre por aí que se começa...
O autor escreve segundo a antiga ortografia