Duas ou três lições a tirar
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Mal refeitos do turbilhão da noite eleitoral e perante a frieza dos números, vale a pena olharmos de forma racional para o resultado e procurar perceber, sem grandes estados de alma, o que ele reflete sobre o ponto a que chegamos. E, já agora, retirar algumas lições importantes para o futuro próximo.
O facto mais evidente é a ascensão meteórica do Chega, que resulta da saturação dos partidos tradicionais aos olhos de muitos eleitores e revela um país silencioso, afastado das duas principais áreas urbanas e esquecido pela classe política. Isso verifica-se, em particular, nas regiões a sul do Tejo, onde o partido de André Ventura teve um crescimento exponencial, à custa de um PCP em estado terminal, como bem descreveu Zita Seabra; e de um PS que alimentou, por conveniência tática, a ascensão do Chega, pagando a fatura ao recusar-se a discutir problemas concretos dessas populações, como a ordem pública e a segurança.
Já a vitória da AD, apesar de tangencial, foi obtida em condições muito adversas, com a maioria absoluta de António Costa ainda viva na memória das pessoas e a agitação constante, à Esquerda, do fantasma da troika. Por outro lado, PSD e CDS nunca enfrentaram um concorrente direto ao seu campo político capaz de chegar a valores próximos dos 20%. Montenegro terá, agora, o desafio da governabilidade e de gerar equilíbrios com a mesma habilidade com que conduziu a campanha.
Os resultados mostram, pelo menos, mais duas outras coisas importantes: as trapalhadas que marcaram o último Governo foram mesmo castigadas, caso contrário o PS não perderia 550 mil votos; por outro lado, a Esquerda marxista perdeu terreno para o Livre, mostrando que o eleitorado urbano está mais recetivo à moderação e ao europeísmo de Rui Tavares, do que à ortodoxia comunista e bloquista.
Tudo somado, temos uma fragmentação nunca vista no Parlamento e uma sociedade perigosamente polarizada, cujas escolhas, a prazo, podem mesmo seguir a via da Direita populista. Antes de lamentar o ‘país que temos’, os partidos moderados devem assumir a responsabilidade e começar, já, a mudar de vida. Se não o fizerem, serão os eleitores a mudar de políticos.