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1. A colocação de 2,5 mil milhões de euros de dívida, a 5 anos, foi uma operação bem sucedida por parte do Governo. Vejo-a como um teste em que se pagou para perceber como o mercado reagiria. Poucos dias antes a Irlanda tinha efectuado uma operação semelhante (não sei se também sindicada), igualmente bem sucedida, em que a taxa de juro foi bastante mais baixa (3,35% versus 4,89%). A Irlanda fechou 2012 com um défice orçamental acima dos 8% e com uma dívida pública na ordem dos 170% do PIB. Números muito piores do que os de Portugal, mesmo descontando as receitas extraordinárias. Não deveriam, por isso, as taxas ser ao contrário? A comparação não é fácil nem imediata. As duas economias não são muito semelhantes, as razões para o pedido de ajuda também não e os processos de ajustamento negociados foram distintos. A Irlanda não cortou (não teve de cortar?) tanto nas despesas e teve mais tempo para se corrigir. Ter um défice ou uma dívida maior não parece assustar assim tanto os mercados. Porquê? Em que estará a Irlanda melhor do que nós? Se disse na taxa de crescimento, acertou: já cresceu em 2011 e 2012 e antecipa-se que essa tendência continue até 2015. O menor ritmo de redução da despesa pode ter ajudado, mas não é o factor principal. A estrutura produtiva, essa sim, faz a diferença. Muitas das empresas de capital estrangeiro que a Irlanda atraiu situam-se em sectores com boas expectativas de crescimento. E nós? Não deveria passar a ser essa a prioridade e primeira preocupação do Governo? Não é esta a lição que os mercados nos deram nesta operação?
2. O Governo está muito empenhado em fazer, em pouco mais de três meses, a reforma do Estado, no sentido lato e não apenas as administrações públicas. Uma prioridade absoluta. Redefinir funções e coisas do género. Para a justificar, multiplicam-se os exemplos de ineficiências as mais diversas, muitas das quais fruto da intromissão aleatória dos poderes públicos ou da arbitrariedade e da inabilidade destes. Não tenho dúvidas que, se o primeiro-ministro soubesse do caso que a seguir se descreve, o teria já usado. Está em causa uma empresa pública cuja privatização faz parte do programa do Governo. Questionada por alguns, foi confirmada e o processo acelerado, de modo a estar finalizada até ao fim de um certo ano, como resulta de sucessivas declarações feitas pela pessoa com a tutela da empresa. A mesma pessoa que criou as condições para o afastamento de uma administração que havia reconduzido, com o propósito de conduzir a reestruturação que prepararia a tal privatização. A mesma pessoa que, sem qualquer problema, anunciou que a tal privatização que, afinal, não se fez no ano previsto, também não se faria no ano seguinte. Exemplar, não é? No meio de tantos ziguezagues, a empresa foi perdendo quota de mercado e, consequentemente, valor. Exemplar, sem dúvida, não é senhor primeiro-ministro? Um pormenor. A empresa chama-se RTP e não tem culpa nenhuma de a sua tutela ter sido entregue a Miguel Relvas. Reformar o Estado? Que tal começar pela própria casa? É que, senão, correm o risco de que o povo se lembre do dito "olha para o que eu digo, não para o que eu faço"....
3. A Telefónica e a PT foram multadas, pela Comissão Europeia, por violação da lei da concorrência. Aquando da compra da Vivo, as duas empresas incluíram no contrato uma cláusula em que se comprometiam a não concorrer no país da outra. Não se percebe bem a razão já que ambas invocam, agora, que tal nunca fez parte dos respectivos planos. A PT e a Telefónica são das maiores empresas nos respectivos países e, no caso da empresa espanhola, tem mesmo expressão no ranking internacional. Dadas como exemplos, tanto uma como outra têm assessorias jurídicas pagas a peso de ouro, o que não impediu que fosse feito aquilo que qualquer estudante do 1.0 ano de Direito ou Economia teria dito ser ilegal. E aqui não houve qualquer ministro a atrapalhar. As multas são pesadas e as empresas anunciaram a intenção de recorrer. Seria interessante saber se os advogados serão os mesmos e quanto cobrarão por este (lindo) serviço.
O autor escreve segundo a antiga ortografia