O primeiro-ministro José Sócrates decidiu agora acusar a Oposição de "irresponsabilidade" e "exibicionismo político" devido ao facto de ter aprovado na Assembleia da República um conjunto de diplomas apelidados "pacote anticrise". Não vou entrar na substância das propostas mas antes analisar a razão do regresso do primeiro-ministro na versão "animal feroz".
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O Governo, através de vários dos seus membros que vão do ministro dos Assuntos Parlamentares até ao ministro da Defesa (o que é estranho mas verdadeiro), decidiu encenar um primeiro acto da cena da espada e da parede. Após a declaração de aumentos da despesa ou diminuição da receita com valores vários que vão das dezenas de milhões de euros aos milhares de milhão, o Governo criou uma teoria de acordo com a qual lhe está a ser retirada a condução da política orçamental. Quem está a fazer essa maldade? Pode parecer estranho mas, segundo o PS, é o Parlamento. Convém, então, recordar ao primeiro-ministro alguns factos. Em primeiro, o Governo não é o único órgão de soberania. Em segundo, um dos outros, o Parlamento, tem poder de aprovar projectos ou propostas de lei, bastando para isso o singelo facto de a maioria dos deputados o fazer. Em terceiro lugar, relembrar um pouco de história, pois os parlamentos nasceram para aprovar a cobrança de impostos. "No taxation without respresentation, remember"? Por fim, salientar que a Constituição, a Lei de Enquadramento Orçamental e o Regimento da Assembleia da República determinam amplos poderes aos deputados em matéria orçamental. A Lei do Orçamento nasce obrigatoriamente por iniciativa legislativa do Governo, podendo o Parlamento fazer-lhe alterações. De facto, todos os anos há centenas de propostas de alteração. Mas ultrapassou a Oposição, nesta aprovação na generalidade, algum limite legal? Não, apenas o faria se determinasse para o ano económico em curso um aumento de despesas ou diminuição de receitas do Estado. Acontece que aquilo que está em cima da mesa são projectos para entrarem em vigor no dia 1 de Janeiro.
Ultrapassadas as razões sistémicas convém olhar para as políticas. O que acontece é algo muito simples. Pela primeira vez em Portugal um Governo sustentado por uma maioria absoluta passou a ter uma mera maioria relativa. Por isso, é normal que se fale do passado e que as oposições pretendam alterar aspectos de que discordaram e criticaram. Assim, os partidos estão a aprovar posições que constam dos seus programas eleitorais através de propostas já antes feitas e criticadas por um primeiro-ministro que usava o argumento do… passado. Por fim, o argumento da coligação negativa é inaceitável. Nunca deveria ser usado por quem propôs coligações ou acordos a todos os partidos, e é risível quando se estão a apresentar propostas concretas. Termino adaptando a expressão de Bill Clinton "É a economia, estúpidos". Em Portugal, é a altura de clamar "É a democracia!".