O périplo que Rui Rio anda a fazer pelo país teve ontem paragem em Lisboa. O ex-presidente da Câmara do Porto interveio num almoço-debate dos Animados Almoços Ânimos (juro que o nome é este...), que decorreu na Associação 25 de Abril. Vasco Lourenço, essa figura proeminente da democracia nacional, apresentou Rio como "o novo D. Sebastião"(credo!) e pediu-lhe, em tom inflamado: "Não se ponha numa posição de espera e atue já. Junte-se àqueles que estão a querer recuperar os valores de Abril. Ajude-nos a dar a volta ao texto". Quem diria? Vasco Lourenço a apoiar Rui Rio! E ainda há quem se atreva a dizer que o ex-autarca não é um tipo e um político inclusivo...
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Durante a intervenção na Associação 25 de Abril, o ex-presidente da Câmara do Porto defendeu a criação de consensos para "acabar com isto", sendo "isto" o facto de as medidas políticas mais controversas "terem de ir" ao Tribunal Constitucional (TC) para respetiva validação. Essa alteração deve acontecer, de acordo com Rio, "com a Constituição como está ou com alterações à Constituição".
Rui Rio tem, como se sabe,um estilo muito próprio. A linguagem que usa é acessível, mas a explicitação dos raciocínios sai-lhe muitas vezes cheia de curvas e contracurvas, circunstância que gera equívocos. É o caso, parece-me: como quer Rui Rio que o problema da fiscalização das leis se resolva "com a Constituição como está ou com alterações à Constituição"? Trata-se de uma contradição insanável, como está bom de ver.
Não basta um acordo de princípio entre os chamados partidos do arco do governo para "acabar com isto". "Isto", como Rio sabe, é fundamental para que funcionem os pesos e contrapesos de uma democracia que se pretende madura (sim, é verdade: a nossa está ainda longe de atingir esse grau).
À saída do repasto em que recebeu vastos encómios de Vasco Lourenço, Rui Rio percebeu que derrapara na mensagem. Questionado pelos jornalistas, o ex-autarca desvalorizou a questão, focando-se no "quotidiano" e na "tendência" de ser transferido para o poder judicial "coisas que são eminentemente da esfera política". Podemos admitir que Rio se equivoque uma vez, mas, para um político experimentado e com ambições como ele, repetir a dose é um bocadinho de mais.
A questão do corte nas pensões, por exemplo, é uma escolha política. Mas, pelas suas implicações, os cidadãos têm o direito de saber se é legal, antes de serem vergastados pelas suas consequências. A legalidade da medida é valorativamente muito superior à legítima opção do Governo. Podem juntar-se mil argumentos para justificar o corte nas pensões. Nenhum será válido se não tiver o carimbo da legalidade. Até Vasco Lourenço é capaz de concordar com isto...