Sem aparentemente perceber o Mundo fora das quatro linhas, Pelé foi à televisão pedir aos milhares de brasileiros em luta nas ruas do país para "esquecer toda essa confusão e pensar na seleção" que está a disputar a Taça das Confederações, a decorrer no Brasil. O 'rei' é conhecido pela dificuldade em driblar as palavras o que, quase sempre, resulta numa verborreia de democraticidade duvidosa. Os 'torcedores' de outras causas multiplicaram, de imediato, as críticas ao maior craque de todos os tempos, que, uma vez mais, não percebeu os sinais do país do futebol. As redes sociais - as mesmas usadas para incendiar o protesto - estão a ser metralhadas de 'posts' tão violentos, que Pelé se viu obrigado a voltar ao pequeno ecrã para, desta vez, pedir para não ser mal-entendido, até porque é "100% a favor" do movimento que exige justiça no país. Foi um mea culpa tardio e não é a primeira vez. Quando ainda era jogador, Pelé disse um dia que "o povo brasileiro não sabe votar", no que foi então entendido como um apoio do principal ídolo do país à ditadura militar. Há, portanto, coisas que não melhoram com a idade. Acontece que, depois das declarações de Pelé, os protestos, confinados até agora ao exterior dos estádios, acabaram por se generalizar, ao ponto de ontem se terem escutado no interior do mítico Maracanã (onde Espanha jogou com o Taiti).
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A questão é, agora, saber onde vai parar uma contestação cujo rastilho foi o aumento dos transportes, mas que despertou o povo para problemas bem mais profundos na sociedade brasileira. Até porque a reivindicação que provocou inicialmente toda a revolta popular - a revogação do reajuste das tarifas de transporte - foi entretanto satisfeita pela generalidade dos governos estaduais. Mas os brasileiros nem por isso parecem dispostos a abandonar as ruas.
Uma pesquisa revelada pelo influente jornal "Folha de São Paulo" confirmava anteontem que, apesar de 67% da população identificar o aumento das tarifas como causa da rebelião, os manifestantes pretendiam ainda protestar contra outros males sociais. Problemas que afetam a generalidade dos brasileiros e, em especial, os jovens e os que não se reveem nos partidos do sistema político vigente.
É por isso que o grito de revolta no Brasil é fascinante e, simultaneamente, preocupante. Sendo legítimo, o protesto na rua não se pode sobrepor ao poder eleito. Por muito que sejam aos milhares ou aos milhões, os que contestam são sempre menos que os milhões que elegem. É, por isso, um alarmante sinal de falência dos poderes quando se cede à pressão das ruas. Seja para recuar no preço dos transportes, como agora aconteceu no Brasil, seja para fraquejar, como fez Passos Coelho, numa TSU fortemente contestada nas ruas. Protestos onde, lá como cá, não foram os partidos que mais ordenaram.