Livrem-nos de um Estado - ou um Governo, a sua face visível - que se porte como paizinho ou se arme em tutor dos cidadãos. Se a liberdade individual é inalienável, a irresponsabilidade é tão legítima como qualquer outra atitude.
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Contudo, não reconhecer ao Estado o direito de regular a vida de cada um de nós é uma coisa. Outra, bem distinta, é aplaudir um Governo indiferente. Ou que prefira a passividade, invocando o respeito por aqueles sagrados princípios.
Perante um país que já estava atolado em dívidas antes da crise o atingir em cheio, seria absurdo reivindicar a publicação de um decreto impondo limites ao valor das compras a crédito. Mas deve exigir-se do Governo que emita sinais, formule tendências, estimule determinados comportamentos e dissuada outros. Mesmo quando uns tantos economistas fazem profissão de fé nas virtualidades do consumo, enquanto instrumento de reanimação da economia.
O que tem feito o Governo, além de uma ou outra recomendação, para travar o endividamento? Fecha os olhos a certos anúncios, a roçar a publicidade enganosa, que prometem mil e uma facilidades - pagamentos sem juros em períodos longos, férias a crédito, antecipação do IRS e, um dia destes, também da herança, quando o corpo do familiar ainda está quente. Autoriza a abertura de novas grandes superfícies comerciais, os novos pontos de referência da paisagem urbana, tendo como único critério a vontade do mercado.
E para incentivar a poupança, que mecanismos têm vindo a ser accionados? Guloso, olhando nas estatísticas apenas para a coluna das despesas, o Governo tornou menos aliciantes os velhos certificados de aforro. Eram a opção de cerca de 700 mil portugueses, a maior parte dos quais gente que, com sacrifício, juntava pequenas quantias e a quem não passava pela cabeça comprar acções de multinacionais.
A medida, o pior sinal que podia ter sido dado, revelou-se duplamente penalizadora. Para o Estado, o tiro saiu pela culatra. A debandada de aforradores criou saldos negativos e pode ter desferido um golpe irreversível num produto em que os cidadãos confiavam. Quem correu ao resgate dos certificados, de duas uma: fê-lo por considerar que a subscrição deixou de ser compensadora ou, simplesmente, por precisar de dinheiro fresco para enfrentar a crise. Não confiará mais no sistema. Talvez volte a guardar as parcas poupanças debaixo do colchão.
Eis um sinal, mas dos tempos. Poupar está fora de moda. A palavra aforrador, antiquada, cheira a mofo e não é prestigiante - "O meu amigo o que faz na vida? É aforrador? Coisa horrível!" O que está mesmo a dar (e confere estatuto) é ser investidor. Pelo menos do Euromilhões...