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Eis que um país, outrora chão promissor, chega domingo às urnas no meio de uma gigantesca deriva. Se as sondagens não falharem (muito), os candidatos que passam à segunda volta são conhecidos: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Cada um deles reúne um número substancial de votantes, mas apresenta também um alto grau de rejeição do eleitorado. Os média falam já nas "eleições anti": os que votam Bolsonaro odeiam o PT, os que votam Haddad repudiam o candidato de extrema-direita.
O Partido dos Trabalhadores insistiu para lá do razoável num candidato sem futuro: Lula da Silva. Preso, Lula lutou arduamente para entrar nesta corrida eleitoral. As leis, que o próprio fizera aprovar, impediram-no. É neste contexto que Fernando Haddad chega com um atraso colossal a uma disputa eleitoral que Bolsonaro fora, entretanto, capitalizando. Sem uma identidade definida, o candidato do PT tratou de reivindicar a herança do passado, adotando mesmo o slogan "Haddad é Lula, Lula é Haddad". Na semana passada, a revista "Isto É" contava que Lula da Silva é uma espécie de coordenador informal da campanha dos trabalhadores. A partir da cela de Curitiba, onde está preso, faz ecoar, através de bilhetinhos, promessas de cargos, vantagens financeiras em troca de apoios e manobras de bastidores entre caciques que sempre arregimentaram votos. Anteontem, em S. Paulo, Haddad promoveu uma conferência de Imprensa para denunciar as "fake news" de que estará a ser vítima e, como enquadramento cénico, escolheu cartazes com Lula em grande plano. É uma opção com custos, porque parte do Brasil concorda com a prisão do ex-presidente brasileiro, indeferindo qualquer sombra de um regresso, ainda que intermediado por um terceiro, como é o caso.
Jair Bolsonaro vive estes dias com a tranquilidade de quem tem a primeira volta já assegurada, mas também com o temor de que, depois de domingo, tudo estará em aberto. O atentado de que foi alvo em Minas Gerais não lhe serviu para capitalizar popularidade. Por outro lado, a momentânea saída da campanha eleitoral não lhe subtraiu votos. Neste tempo, acumulou muita polémica devido às ideias de rutura que defende, mas é esse registo disruptivo que o empurra para a liderança das sondagens. O que é muito perigoso. O Brasil não se revê certamente num regime militar que este candidato traz para junto de si, também não aceitará as ideias machistas que Bolsonaro foi protagonizando. Todavia, olha para esta opção como a alternativa de redenção de um país que começa a parecer completamente perdido. Há duas semanas, a revista "The Economist" assegurava em capa que estamos perante a última ameaça da América Latina. Num país onde a economia é um desastre, as finanças públicas estão sob pressão e a taxa de desemprego sobe assustadoramente, Bolsonaro constituiu um perigo para a democracia e, consequentemente, para o futuro do país.
O Brasil sente-se asfixiado por uma corrupção endémica e transversal à maior parte da classe política e olha com descrença para os partidos da Esquerda, principalmente para o PT. Assim, Bolsonaro surge como uma espécie de messias, pronto a resgatar do fundo do poço uma nação sem rumo. No próximo domingo quem votar no candidato do partido da extrema-direita não estará propriamente a eleger este homem como o presidente desejado, mas a colocar no Planalto alguém que faça um caminho de regresso a um passado que já foi promissor. É sempre por aqui que os populistas ganham fôlego para invadir os corredores do poder...
Faltam apenas dois dias para as eleições brasileiras. A segunda volta parece já estar definida, embora possa haver uma surpresa. Seria uma excelente notícia. O Brasil precisa de uma terceira via entre estes dois candidatos extremistas. Porque a nação precisa de ser resgatada do caos em que se afundou.
PROF. ASSOCIADA COM AGREGAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO MINHO