Contados os votos e arrefecidos os ânimos irrequietos das últimas semanas, percebemos agora que a Catalunha mergulhou numa encruzilhada maior do que aquela para onde Artur Mas pretendeu empurrar a região espanhola quando decidiu antecipar as eleições em dois anos. Ao romper com Madrid depois de o governo de direita de Mariano Rajoy ter recusado dar à Catalunha um tratamento fiscal especial para enfrentar a crise que também já faz estragos na mais rica das províncias espanholas, o presidente da Generalitat arriscou tudo e perdeu mais do que alguma vez poderia imaginar. A ideia de Mas era tão simples quanto populista: Madrid corta verbas, dissolve-se o parlamento regional, antecipam-se eleições, vence-se com maioria absoluta reforçando a posição já confortável detida no hemiciclo e abre-se caminho a um referendo sobre a independência (que a lei espanhola não permite) da Catalunha.
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Seria tudo feito à velocidade que Mas imaginou não fosse a fortemente politizada sociedade catalã (e, em grande parte, simpatizante da causa separatista) ter recusado claramente embarcar nas embrulhadas do também líder da Convergência e União. Artur Mas foi acusado de manipulação da imprensa, alguma da qual comprada com contrapartidas financeiras da Generalitat que dirigia, e o diário El Mundo investigou-o ainda num caso de posse de contas secretas na Suíça. A tudo isto não terá sido indiferente o eleitorado que fez despencar nas urnas a Convergência e União, que passou de uns auspiciosos 62 lugares nas últimas eleições (à beira da maioria absoluta de 68) para 50 representantes.
Mas o descalabro do nacionalismo "Convergência" não é a ruína de uma ideia nacionalista que está enraizada, e muito, entre os catalães e que arrepia a Moncloa em Madrid. A Esquerda Republicana da Catalunha (igualmente independentista) assumiu sem que ninguém desse por nada o papel de segunda força política catalã, tendo passado de 10 para 21 deputados. Não se estranha, por isso, que, um dia depois das eleições e do cataclismo que se abateu sobre a Convergência e União, o líder da ERC, Oriol Junqueras, tenha mantido em segredo a estratégia que pretende alcançar no imediato. Com a mesma tranquilidade com que mais do que duplicou os lugares no parlamento regional, Junqueras já disse, no entanto, que não vai sustentar um governo de Mas, nem assumir uma oposição firme em defesa do nacionalismo catalão contra o torniquete financeiro do PP madrileno.
Enquanto a ERC digere sem estardalhaço a sua vitória, Mas multiplica contactos - nomeadamente com os socialistas do PSC (que viram a sua representação parlamentar reduzida em oito lugares, passando a terceira força) - e faz contas à vida. Uma contabilidade que obrigará o seu partido a negociar alianças, já que não terá força para governar sozinho e menos ainda para levar avante o processo de realização de um referendo independentista. Ainda assim, o líder separatista recusa demitir-se ou a assumir as consequências de um desastre eleitoral que é apenas seu e que vai deixar a Catalunha suspensa em negociações políticas que toda Espanha observará. Muito atenta.