A proposta de Luís Filipe Menezes é um sinal muito forte quanto ao dramatismo da situação em que vivem os portugueses - em particular no Norte do país, onde a crise bate mais forte - e quanto ao empobrecimento sem retorno que parece inscrito com natureza endémica no prolongamento sem fim à vista de sucessivas levas de austeridade.
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É preciso recordar que Menezes foi grande apoiante de Passos Coelho para a liderança do PSD e, embora tendo discordado do formato e da orgânica do Governo, nunca deixou de proteger o primeiro-ministro. Agora, face ao aprofundamento da austeridade, o seu "basta" assume uma nova moldura crítica, por mais que formalmente ainda consiga poupar Passos Coelho, convocando Cavaco Silva e António José Seguro para uma posição conjunta de salvação nacional a ser defendida em Bruxelas.
Pela apoio que tem expresso ao primeiro-ministro, este "basta" de Menezes não pode deixar de ser lido como um último aviso à navegação vindo do PSD profundo.
Para além das leituras mais ou menos litúrgicas que possam ser feitas a propósito desta ou daquela crítica de notáveis do PSD, dois factos relevantes não podem passar despercebidos: a circunstância de não haver um único dirigente do PSD entre os antecessores vivos de Passos Coelho que possa ser reconhecido como indefetível da atual governação e a circunstância de todos eles parecerem convergir na crítica sobre o grau insuportável a que chegaram medidas de austeridade nefastas aos empresários e trabalhadores que vivem no e do mercado interno.
É que se há um largo consenso hoje em dia, esse é certamente o de que uma linha de austeridade demasiado sem fim à vista gera empobrecimento a tamanha velocidade que para amplas camadas sociais não terá retorno.
A ser assim, Portugal seria em breve um país mais de pobres que de remediados. E a própria ideia de um estado de bem-estar, tão cara à social-democracia europeia, perderia o seu caráter de paradigma político, trocado pela lei do mais forte.
Ora, uma Europa que liderou o bem-estar com base na boa redistribuição social dos lucros gerados pelo capital e pelo trabalho não pode aceitar esse grotesco retrocesso civilizacional. Deve, isso sim, rever a sua estratégia no processo de globalização. Procurando, em aliança com os EUA, impedir que a tecnologia de ponta seja transferida para ditaduras, onde o valor do trabalho pode ser arbitrário e, por isso, nos fazem concorrência desleal com produtos idênticos aos nossos mas muito mais baratos.
É difícil pensar numa saída para a crise que não passe por Bruxelas. Ora, esta perspetiva que agora nos chega de Menezes e do PSD é a mesma que nos chegou de Seguro no congresso do PS. Por isso...