Corpo do artigo
Os Estados Unidos encontram-se numa encruzilhada. Joe Biden está a ser cada vez mais pressionado para desistir da corrida presidencial. Em contrapartida, Donald Trump vai assumindo ser o candidato indiscutivelmente vencedor. Por estes dias, há uma fotografia que marca uma viragem. Em sentido simbólico e pelo conteúdo literal.
Foi captada instantes depois de os primeiros tiros terem sido disparados em direção de Trump e o seu autor é o fotojornalista da Associated Press Evan Vucci. Essa fotografia mostra o candidato republicano protegido por elementos dos Serviços Secretos, que formam à volta dele um desejado protetor escudo humano. Sob Trump, agita-se uma bandeira americana num mastro em posição diagonal. Todavia, o que sobressai nessa impressiva imagem é o punho cerrado do candidato a presidente, que mais faz parecer que ele próprio empunha a bandeira, segundos depois de ter sido baleado. Tudo embalado num céu azul límpido. Rapidamente esta fotografia se tornou icónica e foi replicada em vários jornais e sites. Esta semana, faz capa na “Time”.
Num artigo dedicado ao assunto, “The Washington Post” afirmava que estamos perante um trabalho de fotojornalismo que “pode mudar para sempre os Estados Unidos”. A revista “The New Statesman” também lhe dedica um extenso texto, argumentando que “essa fotografia de Trump ensanguentado o transformou num herói e captou a carnificina da política americana”. Uma tragédia. Nada parece fazer sentido: um tiro disparado de um telhado que deveria estar sob apertada vigilância, um candidato a braços com a justiça perto de ser o presidente dos EUA e um presidente ainda em funções que não percebeu que todos perdem (a começar pelo próprio) com a sua (in)decisão.
Seguindo os noticiários norte-americanos, percebemos como este atentado está a agravar as amargas divisões do país. Os defensores de Trump parecem agora mais radicais da defesa do seu candidato e, por extensão, das suas ideias. Do lado democrata, Joe Biden não demonstra força para contrariar tão avassaladora onda republicana (e populista). Os média também contribuem para enfraquecer o atual presidente. Ainda há uma semana, a influente revista “The Economist” colocava em capa um andarilho sob o título “não é este o caminho para governar o país”. Na edição de ontem, aparecem em capa Donald Trump e J.D. Vance em posição de liderança. E assim se criam perceções construtoras da realidade. Referindo-se ainda à fotografia de Vucci, escreve-se na revista “The New Statesman” que “o registo documental da sobrevivência de Trump à tentativa de assassinato serve como uma alegoria profética da sua vitória nas próximas eleições”. Vamos lá ver se haverá tempo para inverter essa arte do real...