Depois de uma semana na estrada, a dupla Alexis Tsipras e Yanis Varoufakis não tem razões para sorrir. O brilho da noite eleitoral grega e daquela primeira reunião do Conselho de Ministros, com honras de transmissão, em que deram início ao desígnio antiausteridade, começou a esbater-se à medida que Roma, Londres, Paris e Berlim iam colocando pedras de gelo no entusiasmo efervescente dos sem-gravata.
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Na minha crónica da semana passada, arrisquei que Tsipras se poderia estar a precipitar no ataque, correndo o risco, para utilizar uma expressão do futebol, de ser surpreendido no contra-ataque e acabar goleado. Infelizmente para a Grécia, o risco da goleada ganhou contornos mais nítidos ao longo da semana. Podemos, hoje, melhor equacionar as consequências, para o país e para a Europa, da estratégia de rotura da esquerda radical.
Primeiro, a questão mais premente. A reestruturação da dívida pública grega, nos termos colocados pelo ministro das Finanças helénico, é impossível de alcançar. Mesmo que a pretensão do perdão tenha desaparecido discretamente do seu discurso, as exigências de alteração de maturidades e de indexação dos juros ao crescimento da economia não deixam de ser uma proposta de perpetuação da dívida, algo inaceitável para os credores e que, por outro lado, colocaria sobre a mesa o direito de as outras nações resgatadas - Portugal e Irlanda, pelo menos - beneficiarem de igual tratamento.
E para que não fiquem dúvidas, o BCE desferiu um duro golpe, ao recusar aceitar os títulos da dívida grega como garante dos empréstimos aos bancos. Esta medida, associada à atual sangria nos depósitos, ameaça paralisar a economia grega por falta de liquidez. Justamente numa altura em que o país planeava uma grande emissão de dívida de curto prazo para fazer frente às necessidades imediatas, esta desvalorização dos títulos deverá inviabilizar a operação.
Há ainda uma segunda questão, porventura menos premente, mas mais fundamental. Com a sua ação obstinada, Tsipras e companhia conseguiram o mais desastroso dos resultados: pôr os governos de quase toda a Europa, dos arrogantes do centro e Norte aos resgatados da periferia, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, todos juntos a afinar pelo mesmo diapasão.
Uma das esperanças do Syriza era justamente dividir a Europa e levantar o papão da Alemanha, a tal nação que beneficiou no passado de um perdão de dívida no rescaldo da II Guerra Mundial. Esperavam os gregos que a insatisfação por uma estratégia europeia de assinatura germânica, com resultados medíocres, se pudesse expressar e, com isso, abrir o debate sobre as dívidas soberanas. Ora, tal não aconteceu e, ironicamente, o curso dos acontecimentos pode até, de certa forma, legitimar a cartilha de Angela Merkel.
O cenário de saída do euro parece ainda assustar. Todavia, a Grécia ou leva na bagagem para a reunião do Eurogrupo propostas concretas, realistas e menos agressivas, ou corre o risco de ser convidada a exercer o pleno da sua soberania e voltar à dracma, sendo certo que a desvalorização que atingiria, nesse cenário, a nova-velha moeda atiraria o país para um dramático estado de miséria.
No atual quadro, há alguém que não dorme descansado. Pablo Iglésias e o seu Podemos, que, num cenário de sucesso do Syriza, teriam todas as condições para repetir em Espanha o resultado eleitoral dos seus companheiros gregos, estarão a sentir o chão a fugir-lhes sob os pés. O isolamento crescente do Governo grego, em apenas uma semana, pode vir a demonstrar a impossibilidade do "orgasmo da esquerda caviar", como lhe chama Miguel Angel Belloso, o diretor da revista espanhola "Actualidad Económica". Estou em crer que o futuro do Podemos está, agora, nas mãos do Syriza.
Por fim, a coesão interna do Syriza. Como em quase todos os movimentos da esquerda mais extrema, as múltiplas fações mantêm-se unidas enquanto a corrente mediática positiva alimenta o crescimento. As dificuldades costumam abrir brechas, em muitos casos irreparáveis. No caso grego, há ainda que perceber como vão coabitar dois protagonistas carismáticos: Tsipras e Varoufakis. Esta semana, detetaram-se já os primeiros desalinhamentos nas mensagens passadas pelos respetivos assessores. A seguir com atenção...