Percebe-se, agora, por que razão a sétima avaliação da troika foi demorada. Hoje, o fracasso das políticas defendidas pelo memorando é inegável. Por muito que Vítor Gaspar aponte o dedo à recessão europeia, que de facto existe e tem impacto na situação portuguesa, ele sabe que essa não é a única razão que explica o fracasso. É verdade que a crise europeia afeta as nossas exportações para os mercados tradicionais e reduz o investimento estrangeiro. Quem nos dera, ainda assim, que fosse só esse o nosso problema!
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Apesar do seu discurso contido, Vítor Gaspar não conseguiu ocultar, na sexta-feira, o seu desapontamento. Não admira, porque ele era dos poucos que acreditava na receita imposta pelo memorando. Agora, o Governo aparece-nos de braços caídos, o que é, seguramente, o pior dos indícios. Depois, quando ouvimos os representantes dos partidos que subscreveram o memorando, ficamos com a ideia que, também eles alinham agora, pelo discurso da rua, ou seja, pelo "que se lixe a troika".
Não creio que a solução encontrada, que nos garante, apenas, mais tempo, resolva o problema. Já nem Gaspar consegue recusar liminarmente o cenário de espiral recessiva. O corte na despesa pública, que poderia ter sido feito noutras condições, será mais um prego no caixão, porque não deixará de ter um impacto ainda mais recessivo. Falta saber, agora, o que decidirá o Tribunal Constitucional, que ainda não se pronunciou sobre o orçamento geral do Estado, apesar de já estarmos em finais de março. Se suceder aquilo que muitos antecipam, e houver um chumbo na questão das reformas, é muito provável que venhamos a ter, então, uma crise política que tem, no horizonte, o fantasma da ingovernabilidade.
O problema tem, de facto, origem na Europa, mas não resulta prioritariamente do arrefecimento da sua economia. Tem origem nas políticas erráticas e tardias das instituições europeias, da dificuldade de construir consensos, da agenda política dos países do centro da Europa, da incompreensão dos seus eleitores, da ausência de uma estratégia que reforce a coesão europeia.
São essas as razões que determinaram as imposições feitas aos gregos, aos portugueses e aos irlandeses, e que tiveram, como agora se comprova, um resultado dramático em economias que eram supostas ser ajudadas e que, afinal, estão a ser fortemente prejudicadas. Um resultado tão nefasto que não deixará, mais cedo ou mais tarde, de ter um impacto funesto no resto da União Europeia.
Esta semana, Jean Claude Juncker alertou os europeus para o risco de uma explosão social no continente. Infelizmente, os sucessivos avisos dos líderes europeus não coincidem, depois, com a sua agenda. Essa contradição entre os discursos e a prática decorre do sentimento anti-europeu que é hoje latente nos países do Norte, e que tem vindo a crescer dia-a-dia. São muitos os eleitores alemães que criticam o Governo de Merkel por ser demasiado generoso para os países do Sul, são cada vez menos aqueles que, pelo contrário, criticam a chanceler alemã por não ser mais generosa para com as cigarras, ou por não ter uma visão clara sobre o impacto que a crise que hoje atinge as franjas da União Europeia poderá ter na economia alemã.
Tudo isto, é claro, porque a União Europeia foi capaz de criar leis, burocracias e regulamentos, mas nunca conseguiu criar um sentimento de pertença entre os seus cidadãos. É difícil encontrar um alemão ou um holandês que se defina como europeu. E, com o adensar da crise, a inexistência desse sentimento comum apela aos piores instintos, às desconfianças do passado, ao "salve-se quem puder". Mesmo os líderes mais europeístas sabem, hoje, que os seus eleitores nacionais não estão disponíveis para alargar a sua solidariedade por um projecto comum que, nos tempos de bonança e de abundância, deveria ter sido exaltado pelos benefícios transversais que gerou, e ainda poderia gerar. É por essa razão que nós, os portugueses, estamos onde estamos, é esse o motivo pelo qual não há luz ao fundo do túnel. Será que teremos de ser os primeiros náufragos, para que os europeus compreendam, finalmente, a dimensão transversal do problema?