Se traçarmos uma linha vertical no mapa de Portugal, não há concelho mais distante do Litoral do que Miranda do Douro. É aqui, diz-se, que nasce o sol, concretamente no miradouro de Paradela, sobranceiro e testemunho da entrada, quer das primeiras luzes da alba, quer do rio Douro, no nosso país. Mas não é sobre atrações turísticas, por belas que sejam, que se fala no livro digital que hoje publicamos na nossa edição online, e que resulta de uma parceria entre o Jornal de Notícias e a Associação Círculo de Estudos do Centralismo, que, certamente não por acaso, tem sede no município mirandês.
Um livro cujo título é precisamente "Centralismo?" e em que a peça central são os 60 artigos publicados entre 2 de setembro do ano passado e 8 de dezembro deste ano, nas páginas de opinião do JN. São 60 autores, com visões distintas, formações distintas, vidas distintas, de geografias distintas, políticas distintas, mas com um ponto em comum, a preocupação com o centralismo, que impede o pleno desenvolvimento de Portugal. Porque não há verdadeiro desenvolvimento se ele não for homogéneo, se o progresso económico e social se inclina, de forma tão vincada, para uma estreita faixa entre Braga e Setúbal e, mais ainda, se o ralo para onde escorrem os recursos, as pessoas, os investimentos e a riqueza é a capital e os seus domínios, curiosamente no ponto mais ocidental do continente.
Não se confunda o leitor. Da mesma forma que o objetivo central do livro em formato digital que hoje chega aos "escaparates" não é destacar singularidades turísticas, também não se trata de um problema de pontos cardeais. O problema é político, porque é na política, em sentido lato, e, portanto, para além dos políticos, que se fazem as escolhas. E o que a política tem escolhido, quem melhor o resumiu, ou pelo menos, quem o fez de forma mais contundente, foi o professor Miguel Cadilhe, a alma deste projeto, no texto que abre os 60 capítulos. "Somos um dos países mais centralizados da Europa. Um centralismo obsoleto, retrógrado, comprovadamente pesado e pouco eficiente, uma das causas do nosso fraco desempenho económico".
A quem objete, ou a quem pareça que são palavras catastrofistas, a quem não tenha vontade ou paciência para observar e avaliar o país profundamente desequilibrado em que vivemos, pois que leia todos os artigos, ou pelo menos parte deles, antes de retirar conclusões precipitadas. Talvez se surpreenda com o que pode aprender.
Para concluir esta nota, escrita originalmente para o livro digital e para que melhor se perceba o ocaso a que este "centralismo obsoleto" nos conduz, cito um outro autor e um outro texto, precisamente o último dessa série de 60, o da pintora Graça Morais, e o seu testemunho sobre a aldeia onde nasceu, no concelho de Vila Flor, no Nordeste de Trás-os-Montes. Uma aldeia em que, hoje, "a maior parte das casas estão fechadas, a escola primária já fechou por falta de crianças e as ruas do Vieiro estão desertas. Os velhos tiveram de abandonar as suas casas e vivem em lares, com conforto e cuidados médicos, mas num grande desenraizamento e solidão."
É este o país que ambicionamos? Em que os recursos e as pessoas abandonam o Nordeste, onde tudo parece começar, para rumar a sudoeste, onde tudo parece acabar? Se não podemos contrariar o movimento aparente do sol, é possível fazer alguma coisa para contrariar o movimento real de empobrecimento para onde nos dirige um "centralismo retrógrado".
Miradouro de Paradela, em Miranda do Douro, o ponto mais ocidental do país, onde "nasce o sol" e o Douro entra em Portugal (Foto: Rota da Terra Fria)

