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A estridência com que, no passado domingo, Francisco Assis, cabeça de lista do PS, soltou o grito de vitória nas eleições europeias não correspondia a alegria, mas a fantasia. Do mesmo modo, a esforçada retórica de António José Seguro para sacar palmas e sorrisos aos militantes correspondia, antes de mais, ao derradeiro esforço que o desesperado faz quando se sente entalado. Sim, o PS venceu as eleições. Mas a carregada expressão facial dos que enchiam a sala era o sinal de que aquela vitória não ficaria para a história. Foi uma espécie de vitória moral, com ganhos de circunstância, mas sem substância.
Verdade que ninguém recuperou a velha expressão de António Guterres, que ficou "chocado" quando, em 1991, Jorge Sampaio perdeu por muitos a batalha contra Cavaco Silva. Não era preciso: ficou claro, nessa noite e nos dias seguintes, que alguma coisa iria acontecer no PS. A vida política não é justa nem injusta: é o que é. Como no futebol, os líderes vivem de resultados. E os alcançados por Seguro nas autárquicas e nas europeias não chegaram para colar à rosa o cheirinho de poder que trava veleidades e arregimenta parceiros.
Ontem, António Costa chegou-se à frente. É a altura certa para o fazer. Por três razões. Primeiro: não haverá até às legislativas de 2015 outro momento em que seja possível capitalizar o evidente descontentamento, fora e dentro do partido, com a liderança muito pouco mobilizadora de Seguro: Segundo: Costa obriga o líder do PS a definir-se. Ou vai a jogo e arrisca perder, ou recusa convocar um congresso e arrisca fechar-se até definhar numa base de apoio, interna e externa, muito curta. Terceira razão: Costa já ameaçou duas vezes tomar conta do partido; não pode, perante as atuais circunstâncias, ficar quietinho no seu canto a ver como param as modas.
Isto dito, é preciso acrescentar que o aparente "carisma" de António Costa tem um problema: carece de demonstração. A ideia de que foi um bom ministro e de que é um bom presidente da Câmara de Lisboa ajuda, mas não basta.
Por estes dias de negro carregado, é preciso que à aparência se sobreponha a essência, que quem deseja governar o país seja capaz de quebrar esta espécie de maldição que caiu sobre nós. Como? Dizendo ao que vem e, sobretudo, com que ideias e políticas vem. Explicando, por exemplo, como se compagina o Estado social que os socialistas amam com o equilíbrio das contas públicas que os socialistas não amam tanto. Basta olhar para a Europa: quem chegou ao poder erguendo um machado com o qual jurou cortar as raízes do neoliberalismo deu-se mal, porque a realidade, essa coisa incómoda, atrapalhou-lhes o ímpeto.
O que quer António Costa fazer? E como quer fazê-lo? A mim interessa-me pouco o Costa candidato a líder do PS. Interessa-me, isso sim, saber o que pensa Costa (eventual) candidato a primeiro-ministro. Julgo que aos portugueses que votaram no domingo também.