Corpo do artigo
13 de maio de 1939. O Transatlântico St. Louis parte de Hamburgo com destino a Cuba. A bordo leva 937 refugiados judeus, famílias inteiras que fogem de uma Europa em putrefação. A maioria das fronteiras alemãs já está fechada e muitos países impuseram quotas à entrada de judeus. Esperaram tempo demais para partir. Não imaginavam que, em pleno século XX, a Europa se pudesse render assim ao sadismo delirante de um louco, ao nacionalismo ignorante que nunca tarda em encontrar um novo velho bode expiatório.
Para obter os vistos de turista, vendidos a peso de ouro no Consulado de Cuba, teria sido preciso reunir todas as poupanças que restavam do confisco. Para muitos seria a derradeira oportunidade para escapar aos campos de concentração, à humilhação é à morte certa.
Duas semanas depois, o navio atraca ao largo de Cuba. As malas estavam prontas, juntamente com os passageiros, prestes a pisar o solo que lhes garantiria a liberdade (e um possível futuro nos EUA). É nesse momento que sobem a bordo as autoridades cubanas. O desembarque não poderia ser feito, pelo menos não naquele dia. "Mañana", foi o que ouviram durante os sete longos dias em que o Governo cubano se tentou aproveitar do desespero dos refugiados para lhes extorquir meio milhão de dólares, argumentado que o visto de turista tinha deixado de valer. A hipocrisia era aflitiva. Cuba não os queria deixar entrar - sabia que isso desagradaria à política de imigração americana - apenas lucrar com a desgraça. Depois de negada autorização para desembarcar na Florida, o navio volta a cruzar o Atlântico, carregando apenas o peso do desespero.
Uma vez de volta à Europa, o capitão Schroder é finalmente autorizado a entrar no porto de Antuérpia. Algumas centenas de refugiados conseguem asilo. Outros, mais de 200, acabam por morrer às mãos dos nazis, depois de quase terem conseguido uma vida do outro lado do oceano.
Não há assim tantas diferenças entre esta história, só mais uma história do Holocausto, e o pesadelo por que passam as muitas pessoas que hoje tentam chegar à Europa em busca de paz. Aprendemos, e ainda bem, a olhar com horror e vergonha para este passado, que jurámos nunca deixar repetir-se. Mas assistimos simultaneamente, pacientemente, a uma Europa que voltou a ter muros, campos de refugiados, políticas de confisco e xenofobia sem vergonhas. Achamos que desta vez é diferente, como achavam as pessoas que, em 1930, assistiam, pacientemente, a uma Europa que tinha voltado aos muros, campos de refugiados, políticas de confisco e xenofobia sem vergonhas.
Impressionante que, no meio deste sufoco, até há quem ache normal que Bruxelas encontre sempre consenso para mais austeridade, mas não consiga parir uma solução para os milhares que morrem às portas de nossa casa. Quem vier a seguir terá, espero, vergonha do que não soubemos fazer.