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Mais uma vez, face às dificuldades que enfrentaram tantos portugueses nos anos mais recentes, algumas das declarações triunfalistas sobre os últimos acontecimentos políticos - nomeadamente sobre a notícia que deu conta da fórmula encontrada para sairmos deste período de controlo internacional - podem parecer chocantes.
É natural que todo e qualquer festejo público pode, compreensivelmente, magoar pensionistas, funcionários públicos, desempregados e jovens empurrados para a emigração.
Todavia, tal não nos pode cegar ao ponto de não aceitarmos e aplaudirmos uma realidade: face às condições injustas que nos foram impostas pela comunidade internacional, face ao estado lastimoso a que chegaram as finanças públicas, Portugal saiu honradamente desta prova e o seu principal responsável, o chefe de Governo, teve mérito nos resultados obtidos.
Recordo que ainda não passaram muitas semanas desde que o líder da Oposição e muitos outros agentes políticos e económicos afirmavam, face a essa forte probabilidade, que seria uma derrota insuportável qualquer partida da troika que deixasse para trás um novo programa condicionador complementar do nosso exercício de soberania.
Agora, ficava-lhes bem aceitar este sucesso relativo, felicitar os portugueses pelo esforço e resultados alcançados, e iniciarem um esforço de diálogo que terá de acontecer, mais cedo ou mais tarde, como única forma de terminarmos com êxito o caminho agora iniciado.
É verdade que retomamos o crescimento, embora ainda incipiente e que não ultrapassará os 1,8% em 2018, é um facto que conseguimos criar a confiança que fez as taxas de juro da nossa dívida descer para valores inferiores aos praticados pelo próprio FMI, é indiscutível que conseguimos regressar com credibilidade ao autofinanciamento no mercado, é real que construímos uma almofada financeira que nos poupa ao tal programa cautelar, mas também é uma realidade que ainda temos um longo caminho de sacrifícios a percorrer.
Um percurso onde teremos de cumprir as regras do novo Tratado Orçamental, onde estamos sujeitos a aferições semestrais rigorosas das nossas prestações, onde temos de continuar a ser espartanos nos gastos públicos e onde temos uma longa marcha até ao momento em que consigamos solver uma parte substantiva da dívida que contraímos.
Ora, é pois o momento ideal para colocar de parte qualquer tentação laxista e sermos ainda mais exigentes para connosco próprios e para com os governantes.
A tão propalada reforma do Estado deve avançar de imediato, sem ser condicionada pelo calculismo de calendários eleitorais e, finalmente, com a folga que decorre deste espaço de recuperação relativa, termos a oportunidade de começar a refletir e a solucionar algumas das entorses estratégicas que tanto têm condicionado o nosso retrocesso.
Entorses como a que decorre da nossa excentralidade continental, perdida neste ocidente peninsular. Como a que resulta da contínua fragilidade de preparação dos nossos recursos humanos, como a que é agravada com o nosso défice demográfico secular. Como a que nunca soube enquadrar com vantagens a nossa diáspora e a lusofonia.
Aexcentralidade de 800 anos foi milagrosamente contraditada com o génio militar e diplomático de alguns, ou com a ajuda de longas e estratégicas alianças com cruzados ou britânicos. Mas hoje, para a nova "guerra", a económica, a estratégia tem de ser diferente e a integração europeia deu-nos uma oportunidade que nunca levámos muito a sério. A integração peninsular colocou à nossa disposição, pela primeira vez em oito séculos, um mercado "interno de proximidade" de mais de 50 milhões de consumidores. Os portos competitivos, a ferrovia centrifugadora, as plataformas logísticas transfronteiriças, um projeto de desenvolvimento competitivo do interior inteligente, são inadiáveis. Esse desígnio é a nossa nova Aljubarrota e a única fórmula para terminar com a ideia falsa de que a nossa economia só pode ter pequenas e médias empresas.
É importante mais um esforço na qualificação acelerada dos nossos homens e mulheres. Ficarmos no lamento de que já estamos bem porque até já exportamos milhares de jovens licenciados que aqui não encontram trabalho é só meia-verdade. Muitos jovens partem por essa razão, mas muitos outros fazem-no como decorrência saudável da globalização ou, pior, porque os orientamos para formações sem saídas de mercado e sem lhes fornecermos o espírito empreendedor necessário.
O Ensino/Educação tem de ser virado para a construção da confiança, do autoempreendedorismo, e a formação profissional tem de encontrar novos e sérios veículos que façam esquecer as centenas de milhões despendidas em programas inúteis do FSE, ou em "novas oportunidades" que mais não fizeram do que explorar ressentimentos de milhares de cidadãos empurrados para qualificações formais sem qualquer consequência prática.
Abaixa demografia fez com que, sendo os primeiros globalizadores, também tivéssemos sido uma espécie de batedores dos interesses dos subsequentes ocupantes/parasitas: britânicos, franceses, holandeses, belgas. Hoje, o assustador decréscimo demográfico cerceia-nos ambição em África e nas Américas, mas principalmente no nosso quadrilátero continental, onde a pressão sobre sistemas como o da Segurança Social começa a ser insustentável. Assim, é urgente colocar de pé uma agressiva política pró-família, apostar em movimentos de captação de emigração qualificada, jovem e bem preparada, criar as condições e os estímulos necessários ao regresso de portugueses das várias gerações de emigração.
Finalmente, o binómio diáspora/lusofonia. Com dois grandes países de língua portuguesa entre os principais estados emergentes deste século, abre-se uma oportunidade de ouro que não pode ser perdida. Fomentar um projeto de mobilização da energia solidária dos milhões de portugueses espalhados pelo Mundo é, igualmente, uma ambição possível e há demasiado tempo adiada.
Concluindo, o caminho penoso dos últimos anos, com muitos cidadãos injustamente sacrificados, com omissões e erros, foi meritório, mas só será válido se lhe soubermos dar este tipo de continuidade.
Tudo isso significará a capacidade e a necessidade de associar ao projeto esperança e ambição.
P.S.: Não consigo entender o autismo de alguns membros do Governo que continuam a evitar o diálogo com as instituições, pais e professores, visando resolver com honra o contencioso criado à volta das crianças com necessidades educativas especiais. Teimosia imprópria num Estado de direito. Os erros ou faltas de alguns poucos não podem castigar injustamente milhares.