Na última crónica, dei conta da minha preocupação pelo facto de Portugal ter sucumbido ao ultimato das grandes potências europeias.
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Esperava-se então que, na entrevista à RTP, o primeiro-ministro apontasse um rumo a seguir e conseguisse levar os portugueses a acreditar que ainda há forma de aliviar o garrote que nos foi imposto, apelando também ao espírito de sacrifício cívico que demonstrámos há 30 anos.
Claro que, em rigor, ninguém contava que reconhecesse, por exemplo, que a badalada reforma da Administração Pública fracassou, como se pode ler no último relatório divulgado pelo Banco de Portugal, nem era previsível que confirmasse que os seus diagnósticos foram errados, que o seu optimismo fora injustificado, que, em suma, errara. Exigia-se, contudo, que prevenisse os portugueses para os problemas que terão de enfrentar e para o desemprego que continua a aumentar; enfim, que admitisse que a situação ainda vai piorar. Em vez disso, Sócrates optou pela táctica da avestruz: invocou as crises internacionais, protestou que o "Mundo mudou em 15 dias", justificou as medidas de urgência que nos foram impostas como se se destinassem a salvar o euro (certo como é que Portugal pode ser uma vítima das convulsões dos mercados, mas é irrelevante nessa cruzada), e foi deselegante e ingrato com Passos Coelho, que lhe tentou valer, a bem dos interesses da nação.
Em plena situação de emergência, temos um Governo que não antecipa para depois claudicar, que não tem coragem para cortar na despesa e encontra um paliativo no aumento de impostos - o que vai aumentar o peso relativo do Estado na economia, destruir o que resta da classe média e inviabilizar a poupança - e que não quer admitir que mais grave do que a falta de liquidez que pode ser atribuída aos mercados é a insustentabilidade do nosso endividamento.
Temos um Governo à deriva, em que o primeiro-ministro e os ministros das Finanças e das Obras Públicas se contradizem diariamente acerca do diferimento dos investimentos públicos e dos aumentos dos impostos; um Governo desacreditado que, como António José Teixeira bem disse, contribui para a imprevisibilidade num momento de grande incerteza.
No meio da tormenta, ainda se ouvem, aqui e ali, vozes que apelam ao realismo, como foi o caso de Fernando Ulrich, que constatou que não há margem para financiar as grandes obras públicas e lembrou que se elas avançarem não haverá dinheiro para financiar as PME. Infelizmente, depois de ter sido apelidado de incendiário e de irresponsável por ter feito essa óbvia observação, que aliás mereceu a concordância de João Salgueiro, o presidente do BPI viria a ser contraditado pelos presidentes da CGD e do seu satélite BCP, que logo apareceram a fazer uma oportuna profissão de fé, garantindo que não há razões para alarme.
Nos próximos meses, o ministro das Obras Públicas continuará a adjudicar obras faraónicas que se concentram na capital do Império, muito provavelmente não realizáveis por falta de financiamento e o seu colega das Finanças reclamará contra os marotos das agências de rating. Entretanto, a economia portuguesa voltará a entrar num ciclo recessivo, e as receitas fiscais diminuirão apesar do aumento de impostos. Depois, quando o acesso ao crédito se esgotar, o primeiro-ministro confessará, em português ou em espanhol macarrónico, que os seus dotes de ilusionismo fracassaram. Chegado esse dia, até os mais obstinados optimistas compreenderão que Portugal já não tem salvação.