Lembrei-me desta frase de Mário Soares quando, no primeiro dia do ano, acompanhei a tomada de posse de Lula da Silva como presidente do Brasil. A cerimónia seria marcada por um discurso forte e sem meias palavras, de rejeição e condenação de Bolsonaro e das políticas que seguiu. A subida da rampa do Planalto foi cheia de simbolismo, como quem quer substituir o presidente cessante pelo Brasil inteiro na sua diversidade.
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Durante o tempo da cerimónia de tomada de posse, olhei para Lula tentando descortinar o segredo para tanta força em tanta fragilidade. Porque nele são visíveis a fragilidade, as marcas da dureza da vida, das injustiças, das tentativas de destruição, da prisão e do cansaço. Todavia, a essas marcas sobrepõem-se a força das palavras e a felicidade que transmite por estar ali, por saber que milhões de brasileiros depositam nele confiança e esperança. Lula da Silva não desistiu de lutar e por isso estava ali. E estava com objetivos claros: defender a democracia, defender o Estado de direito, as liberdades e garantias, defender a justiça social e o ambiente, afirmar a importância da educação, do ensino superior e da ciência, promover o desenvolvimento e combater as desigualdades no seu país. Porém, a história de Lula da Silva e do Brasil podiam ter tido um curso diferente, apesar de toda a sua resistência e capacidade de lutar.
O processo eleitoral no Brasil, opondo Lula da Silva a Bolsonaro, foi entendido, debatido e discutido nos mesmos termos do processo eleitoral que opôs Biden a Trump. Os riscos de autoritarismo, a arbitrariedade e o desrespeito pelas regras e as instituições políticas da democracia, o desrespeito pelo Estado de direito e as liberdades, a desvalorização das instituições internacionais, a cumplicidade com o racismo, a xenofobia e outras discriminações, a influência dos evangélicos na vida política, a apologia da ignorância e a desvalorização da ciência, a subordinação do interesse público aos interesses privados são traços comuns das políticas de Trump e de Bolsonaro. Foi contra elas que combateram Biden e Lula da Silva. E venceram. As suas vitórias foram saudadas por milhões de cidadãos nos EUA, no Brasil e em muitos outros países. As suas vitórias mostraram que importa não desistir de lutar.
Porém, a relativa magreza dessas vitórias mostrou também que as batalhas contra o que representam Bolsonaro e Trump estão longe de estarem ganhas. O bolsonarismo continua vivo e à espreita da sua oportunidade. A oportunidade que Lula da Silva tem agora que lhe negar mantendo-se intransigente na execução do programa que o levou à presidência.
*Professora universitária