Na minha primeira viagem ao estrangeiro como jornalista fui a Bruxelas cobrir uma conferência do Parlamento Europeu sobre a resposta da Europa (e dos Estados Unidos) à grande ofensiva tecnológica do Japão. Estávamos em 1989 e o ponto de partida era terrível: a Ásia ia mandar no mundo. Lembro-me de ficar estarrecido com um dos conferencistas quando disse (cito de cabeça): "Os japoneses estão a dominar de tal forma a tecnologia que, em breve, os Estados Unidos e a Europa não serão capazes de produzir um vídeo". Um vídeo! Sim, um videotape para ler cassetes...
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Este era o exemplo máximo de como a tecnologia estava a passar para o "lado de lá". Era grave... O que seria da nossa vida? E, no entanto, passaram 20 anos... e a Europa continua a ser extraordinária, apesar das crises. É a região do mundo com mais Direitos Humanos, a que inventou o Estado Providência, a que possui os índices mais elevados de educação dos seus habitantes, a que gasta mais dinheiro em investigação e desenvolvimento. A Cultura, entendida na forma clássica, é um pilar essencial de reforço dos princípios da democracia e está disseminada livremente. Os níveis de saúde, cuidado ambiental e certificação alimentar são imbatíveis. Além disso, os europeus criaram uma organização política que conseguiu agregar 27 países na União Europeia mas, em simultâneo, mantêm a capacidade de relacionamento pacífico com potências vizinhas como a Rússia e a Ucrânia, também a Turquia, já para não falar da cooperação com a Noruega e Suíça. Portanto, a questão central é esta: porque há-de a Europa falhar e implodir?
A China, o Brasil, a Índia e outros dragões da economia, todos juntos, levam a Europa ao tapete sobretudo pelo preço. Mas isso não vai durar sempre. Por isso me recordei da história de 1989. Alguém sonhava nessa altura (para além de todas as mudanças políticas que iriam ocorrer, como a queda do Muro de Berlim, o acordo do comércio livre, o fim de ditaduras, etc.) que surgiria uma indústria de software e computadores global, ou telemóveis 3G, e que haveria plataformas de informação ou de energias verdes mais importantes que a indústria do petróleo ou automóvel?
O mundo caminha para incorporar mais conhecimento em cada produto. Se a Europa não se suicidar através de convulsões sociais geradas pelo desemprego, veremos que a breve prazo a instrução dos seus cidadãos será a melhor garantia de prosperidade. Energias mais limpas, melhor aproveitamento do mar, novos medicamentos, novas formas de comunicação, novos alimentos (mais saudáveis e mais naturais), melhor gestão e logística, mais valor na produtividade por trabalhador (diferente de produtividade por hora), menores custos ambientais, melhor saúde pública e melhor organização social - são marcas da Europa e mercados com futuro.
Não faz sentido, por isso, fazer um diagnóstico com base no problema actual, de curto prazo, e tomar decisões de longo prazo. O problema neste momento é dinheiro. E estamos a concluir que não conseguimos viver todos em comum na Europa. É como se um casal se divorciasse por não conseguir pagar a renda, mesmo que os dois gostem um do outro. As opiniões públicas dos países do Norte (e os partidos da esquerda marxista no Sul da Europa) preparam-se para destruir a União Europeia, julgando que o nacionalismo lhes sai mais barato. Os alemães, finlandeses, etc..., têm já em cima da mesa os números que lhes demonstram que gerar uma recessão generalizada na Europa, pelo corte do investimento em muitos países (incluindo os do Sul), faz parar os seus circuitos produtivos. As exportações extra-comunitárias não resolvem tudo, até porque ninguém sabe quanto mais tempo dura a globalização como se conhece hoje.
Ou seja: calma! O rombo nos bancos por via da reestruturação da dívida grega e portuguesa não significa necessariamente o fim do mundo. Depois de limpo este buraco e aprendida a lição, há condições para se voltar à vida com mais força. Esta Europa (com a União Europeia), ainda é o melhor local do mundo para se viver. Perder isto representa perder 50 anos de história e paz. Se for preciso começar do zero, lá terá de ser, mas temos de estar conscientes de que vamos viver muito pior.