A decisão do Governo de acabar com os certificados de aforro que rendiam 3,5% de juros ao ano, lançando uma nova série destes instrumentos de aforro com retribuição um ponto percentual mais baixa, suscitou comentários em catadupa. A Esquerda rasgou as vestes em plena praça pública. A Direita, excetuando o vocal Chega, foi um bocadinho mais branda. Todos têm alguma razão. Pena que não a usem de forma recorrente e exigente, de modo a atacar de vez um problema que afeta muito seriamente os portugueses: a ampla assimetria de poderes entre bancos e clientes.
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Onde há excesso de poder existe sempre compulsão para o abuso. A regra aplica-se a este caso de forma exemplar. São meia dúzia os grupos que comandam o setor bancário português, o que explica, em larguíssima medida, paradoxos como este: o Banco Central Europeu faz subir os juros para controlar a inflação; os bancos passam a carga para os detentores de empréstimos, mas esquecem-se de remunerar melhor os depósitos dos clientes. É uma originalidade, que explica os lucros galopantes do setor.
Dir-se-á: ninguém obriga ninguém a pedir dinheiro aos bancos - e quem o faz sujeita-se às regras. Duplo erro. Pedir dinheiro aos bancos é normal. O que é anormal é a falta de concorrência no setor, coisa básica em países crescidos em que os órgãos de regulação funcionam. No caso vertente, o que está mal não são os juros dos certificados de aforro (há várias razões para defender a redução decidida pelo Governo); o que está errado é o irrisório valor dos juros que a banca paga.
O pacto de não agressão entre quem detém o poder e dele se serve para apenas engordar a casa traduz-se nisto: basta os bancos manterem-se todos quietos, sem se importunarem mutuamente, para que a concorrência seja mera palavra de circunstância. Ganha quem pode muito, perde quem pouco pode.
Jornalista