Face à difícil situação que o país atravessa, muitas eram as vozes que se ouviam criticando o pesado silêncio do presidente da República.
Corpo do artigo
Não dando o Governo quaisquer sinais de querer mudar de rumo e, bem ao contrário, dando pública manifestação de que este é que é o bom caminho, a esperança dos portugueses centrava-se em Cavaco Silva. O que dele se esperava era que, nesta fase, se fizesse ouvir, que usasse a magistratura de influência de que falava Mário Soares para forçar o Governo a alterar as suas políticas. Mas, com a exceção da sua intervenção no facebook sobre o obsessivo controlo do défice, contendo uma assumida crítica à atuação do Governo, as suas palavras têm sido parcas. Aqui e ali ia-se retirando uma frase, interpretando umas palavras, para se concluir, juntando tudo, que o presidente não concordava com o percurso seguido pelo Governo.
Até que, finalmente, aproveitando a mensagem de Ano Novo, o PR falou. Falou e falou bem, no meu entendimento. Disse o que tinha a dizer no tom certo e na justa medida. É claro que esta minha apreciação está longe de ser consensual. Há muito quem pense que Cavaco Silva foi cauteloso de mais e houve até quem lhe chamasse cobarde. Não concordo. A questão é política e não técnica.
Senão, vejamos. O presidente tinha, à partida, um de três caminhos a seguir - pedir a fiscalização preventiva do Orçamento; pedir a fiscalização sucessiva; ou simplesmente promulgar o Orçamento sem nada fazer e dizer.
Se optasse pela fiscalização preventiva, não teríamos Orçamento do Estado no começo do ano, como foi sobejamente dito por constitucionalistas e analistas políticos. A maioria que apoia o Governo tinha-se pronunciado pelo não encurtamento dos prazos para apreciação pela Assembleia da República, com o intuito claro de procurar dificultar o seu envio prévio ao Tribunal Constitucional.
Se mesmo assim e face às dúvidas que o assaltavam, o PR enviasse o documento para fiscalização preventiva, estava a dar ao Governo argumentos de peso para justificar o não cumprimento das metas traçadas. Seria rapidamente transformado na força de bloqueio deste Governo e no culpado do atraso na recuperação do país.
Na hipótese de promulgar, sem mais, o OE, Cavaco Silva tornava-se o avalista das políticas Gaspar-Coelho e corresponsável pelo desaire nacional. Seria para ele e para o país um verdadeiro desastre.
Sobrava uma alternativa, a que seguiu. As questões constitucionais vão ser apreciadas pelo Tribunal Constitucional, como era exigível neste quadro, e a sua mensagem enquanto presidente da República transmite a sua avaliação política sobre o documento. É certo que alguns constitucionalistas acusam Cavaco Silva de lavar as mãos como Pilatos, ao remeter para os juízes do TC o ónus político do chumbo das normas para apreciação. Não parece que tenham razão. O presidente foi claro no que disse, não se limitando a remeter o Orçamento para apreciação e silenciando o seu julgamento. Pelo contrário, transmitiu-nos um juízo crítico inequívoco sobre o estado do país e a sua discordância em relação às políticas seguidas. Tão mais evidente quanto é certo que há uma semana atrás o primeiro-ministro nos procurou dizer o contrário. Como já vi escrito, Passos Coelho falou-nos dos amanhãs que cantam. Cavaco Silva diz-nos que não é assim e fala-nos da realidade amarga que vivemos.
E agora? Venham ou não a ser consideradas inconstitucionais as normas apontadas, com as consequências financeiras que se conhecem, o julgamento político da governação está feito. O Governo está cada vez mais só. Para já, o regular funcionamento das instituições democráticas não está em causa. O presidente demarcou-se, mas não tem muito mais espaço para intervir com consequências. A coligação, também para já, resiste e Paulo Portas é cada vez mais o seguro de vida de Pedro Passos Coelho.
Mas a verdade é que daqui para a frente tudo fica mais claro quanto ao posicionamento de Belém. Neste início de ano, e ainda sem se conhecerem os dados relativos a 2012, o Governo está cada vez mais entre a cruz e a caldeirinha.