É preciso (continuar a) falar da Ucrânia
A mensagem que Volodymyr Zelensky vai deixando nos parlamentos dos diferentes países é clara: a Ucrânia precisa de mais apoios da comunidade internacional. Desde cedo, se percebeu que o invasor é forte.
Corpo do artigo
E perigoso, porque imprevisível e capaz das maiores atrocidades. Enquanto se juntam provas para procurar acusar a Rússia de crimes de guerra, continuam a surgir episódios de barbáries do domínio do inverosímil.
O testemunho surgiu há dias no jornal "The Times". Natalya, nome falso de uma jovem ucraniana, vivia com o marido e o filho de 4 anos perto de Kiev. A 9 de março, tropas russas invadiram a sua casa, mataram o seu marido e violaram-na várias vezes. Na última investida, os soldados estavam completamente bêbados, acabando por dormir na sua própria casa. Esta mulher, de vida despedaçada, conseguiu fugir com o filho, tendo ainda coragem para denunciar essa selvajaria. Em finais de março, Iryna Venediktova, procuradora-geral da Ucrânia, anunciou a abertura de uma investigação oficial a este caso. Que infelizmente tem demasiadas réplicas em várias regiões. No entanto, desta vez, há um passo em frente, institucionalizando-se a denúncia a uma escala internacional na medida em que se coloca a possibilidade de levar o caso ao Tribunal Penal Internacional de Haia.
Encaradas durante vários anos como danos colaterais, as violações em contexto de guerra são agora consideradas crimes de guerra, embora difíceis de comprovar em tribunal. Para além da complexidade de se fazer prova, é demasiado violento regressar a memórias tão terríficas como essas.
Joe Biden tentou personalizar em Vladimir Putin os crimes de guerra que poderão estar a ser cometidos na Ucrânia, chegando mesmo a falar em genocídio. É pouco provável que o presidente russo algum dia se sente no banco dos acusados de Haia, mas Zelensky logo percebeu que a acusação teria uma enorme repercussão pública. Mais do que uma acusação criminal, os factos que agora se juntam, em forma de imagens-satélite, relatórios médicos ou testemunhos, são acusações políticas que ajudam a isolar a Rússia, transformando-a num país pária junto do qual ninguém deverá querer estar. Se a Ucrânia conseguir alcançar isso, já ganhou parte desta guerra. A outra parte combate-se no terreno. E aí a vitória talvez seja mais difícil de alcançar, porque o invasor tem outras armas de ataque que não estão apenas centradas na Ucrânia. Por isso, é necessário continuarmos muito atentos ao que aí acontece.
*Professora associada com agregação da UMinho