É preciso explicar bem a necessidade de recuar
Hoje, na reunião do Infarmed, os especialistas vão fazer o retrato epidemiológico do país e apresentar propostas para travar o avanço do SARS-CoV2.
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Este é o tempo do saber especializado. Que explica, que contextualiza, que abre possibilidades práticas de ação. Para a semana, chegará o tempo dos decisores políticos. E aí o primeiro-ministro não pode falhar. Tem de apresentar decisões assertivas e, igualmente importante, comunicar isso muito bem.
A situação não é tão grave como a do ano passado por esta altura. Há menos casos, menos internamentos, menos doentes em cuidados intensivos. Poderá o vírus ser agora mais transmissível, mas a vacinação acalma a severidade da doença. No entanto, todos percebemos que há uma linha de casos positivos a crescer que impõe alertas e, por outro lado, os retratos de outros países obrigam a agir depressa e a desenhar medidas que travem a atual evolução do vírus.
Depois de ouvir hoje os especialistas do Infarmed, o primeiro-ministro vai ter de decidir quais as restrições a adotar e a forma como vai comunicar essas decisões aos portugueses. E deve pensar isso de forma articulada. Por várias razões: porque a evolução do vírus está a ganhar força e precisa de medidas musculadas para ser travada; porque o inverno de 2020 não pode ter agora uma réplica, ainda que menos intensa; porque há uma economia para salvar e uma saúde mental para proteger; porque as pessoas estão menos disponíveis para respeitar regras, quando se sentem já de regresso a uma certa liberdade; porque o país político está em sobreaquecimento e sedento de polémicas que alimentem campanhas internas; porque há eleições legislativas à porta e a saúde pública não deve servir para demagogias...
Nos próximos dias, António Costa vai anunciar restrições. E deve fazer isso de forma clara e bem fundamentada. Depois é preciso concentrar as mensagens no essencial que importa reter, evitando que se multipliquem versões desencontradas que apenas estarão ao serviço do ruído. A par da explicação das medidas, é igualmente importante cuidar da comunicação do processo de vacinação. Portugal tem de acelerar a dose de reforço e, para isso acontecer, convém que se explique o que está a ser feito e se apresente nitidamente o que há para fazer, para além de se passar a ideia de que a vacinação, por si só, não reduz a transmissão do vírus a zero.
Os próximos dias serão decisivos para o inverno que teremos pela frente. Estamos num contexto muito diferente daquele que tivemos em novembro passado. Do ponto de vista sanitário, estamos melhor; mas o contexto sociopolítico está a escaldar. E a disponibilidade dos portugueses para aderirem às decisões também mudou. E isso não são boas notícias para quem decide.
*Professora associada com agregação da UMinho