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António acordou uma hora mais cedo por causa da greve no metro, para conseguir levar os filhos à escola. Chegou a horas. Mas a greve dos professores obrigou-o a fazer um desvio e a deixar as crianças em casa da avó, ainda antes de se dirigir ao hospital, onde lhe tinham marcado uma pequena cirurgia para tirar um sinal. A greve dos enfermeiros fez com que desse meia volta com a promessa de "depois mandamos uma carta a convocar para nova data". Do mal, o menos - pensou António - assim chego mais cedo ao tribunal e posso preparar melhor o julgamento. António é advogado e naquele dia não havia greve dos juízes. Havia, porém, greve dos funcionários judiciais, pelo que a sessão ficou adiada para o início de 2020. Apesar de não ter produzido nada, António chegou exausto ao fim do dia.
Joana, mulher de António, já sabia que não ia trabalhar. Funcionária da Conservatória do Registo Comercial, aderiu à greve setorial e só volta ao emprego em janeiro. O ordenado fica mais curto, mas o sindicato recorre às cotizações e a fundos próprios e paga-lhe os dias em que fica em casa. Joana aproveitou para passar o dia no lado privado da economia - foi ao cabeleireiro fazer um novo penteado -, aproveitou para antecipar algumas compras de Natal, dedicou umas horas suplementares ao voluntariado que costuma fazer numa IPSS, passou na oficina para mudar um pisca avariado e ainda teve tempo de levar a sobrinha à natação. Depois de tratar do jantar da família, Joana deixou-se cair no sofá. Extenuada e desfeita, até com uma vaga sensação de saudades do dia a dia de trabalho no Registo.
Qualquer semelhança destes nomes e factos com a realidade está muito longe de ser ficção. Este é o espelho da sociedade portuguesa, por obra e consequência da modalidade de Governo que temos. O direito à greve é legítimo, o uso que atualmente dele se faz é imoral. Nisto, por muito incómodo que possa ser, estou como o João Miguel Tavares: é preciso discutir se os funcionários públicos podem fazer greve do modo ilimitado como fazem. É obrigatório questionar se somos livres de destruir a economia (e, como tal, as expectativas de futuro dos nossos filhos e, no limite, o país). Está na altura de alguém explicar aos portugueses que a reposição de rendimentos, se for universal e exagerada, é totalmente temporária e ilusória. Quem nos dera trabalhar menos e ganhar mais. Mas isso, lamento informar, é como o Pai Natal. Ou seja, só as crianças (e nem todas) acreditam.
Serralves. O regresso da paz e da normalidade à Fundação, ultrapassada a polémica da exposição de Robert Mapplethorpe, é a boa notícia da semana. Mérito do empenho, do trabalho e da serenidade de Ana Pinho, que apresentou dos melhores resultados de sempre e viu reforçada a confiança dos fundadores. Parabéns!
Empresário e Presidente da Associação Comercial do Porto