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Há dias, alguém notava que, em escassas dezenas de anos, foi possível incutir no sentimento nacional a noção de que não há um futuro para Portugal fora da Europa. O projeto integrador passou a fazer parte do "politicamente correto" português, constituindo uma bizarria insana querer desenhar, fora dele, alternativas para o nosso destino coletivo. De certo modo, a Europa, como alguns já tinham defendido, foi a substituição do projeto imperial, colonial ou ultramarinista - dependendo do arrebatamento histórico de cada um.
Durante muito tempo, o PCP era a única força política que, começando por não acreditar na possibilidade de Portugal entrar nas então Comunidades Europeias, defendeu, a partir da adesão, uma integração relutante, marcada por um soberanismo que pedia meças à Direita mais cética. Não deixa de ser irónico que uma força política tributária de uma cultura histórica internacionalista se tenha acabado por transformar no partido paladino das fronteiras, defensor da preferência nacional, feroz crítico da globalização, oposto à NATO. Ninguém espere, contudo, que eu especule, a partir daqui, com a nova agenda americana que há dias nos saiu em rifa...
Hoje, o país está "colonizado" pela ideia europeia, tida como referente da democracia de que usufruímos, fonte de ajudas das quais Portugal parece não poder prescindir, terreno de partilha de valores que marcam a nossa opção civilizacional. Dos vários patamares de integração - e nós estamos em todos - aquele que oferece mais dúvidas é o da moeda única, sendo que Schengen também tem os seus detratores. Mas a opção europeia faz parte da nossa paisagem indiscutida como país.
Portugal tem 900 anos, a nossa integração na Europa tem quatro décadas. Portugal existiu, como Estado soberano e independente, muito antes de quaisquer ideias de unir as nações do continente. Vale agora a pena fazer uma pergunta incómoda: e se a União Europeia, tal como a conhecemos, vier a diluir-se ou mesmo a acabar como projeto político. Que Portugal há para além da Europa?
Esta provocação tremendista, que há alguns anos pareceria ridícula, não pode deixar de ser feita. A capacidade de manutenção de Portugal no euro é vista, por muitos, como duvidosa. Os sinais de que uma Europa com regresso das fronteiras pode vir a nascer são muito fortes. Marine Le Pen anuncia, em caso de vitória, um referendo sobre a permanência da França na União Europeia - o que, por si só, significaria um inevitável cisma com a Alemanha. Noutros países acumulam-se dúvidas sobre o projeto comum. Do outro lado do Atlântico, os sinais de uma desafetação face ao nosso projeto integrador são mais do que evidentes - e nós sabemos que a América é um poder europeu. Como cereja no topo do bolo, há que pensar que, em Portugal, o sentimento eurocético só tem condições para prosperar.
Falaremos mais sobre isto.
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