A dois meses do arranque do Campeonato do Mundo de Futebol, o Brasil continua a titubear entre o orgulho de organizar uma Copa emblemática e a incapacidade de controlar os sinais que a podem manchar. Este fim de semana, como noticiou o JN na sua secção de Desporto, a Polícia do Rio de Janeiro, cidade que vai receber a final e mais sete jogos de uma das mais importantes competições do Mundo, voltou a atacar. Desta vez em três favelas. Um polícia e dois traficantes de droga morreram na ofensiva que visou o Complexo da Maré e os morros do Chapadão e do Juramento. Sem surpresa, a Imprensa brasileira quase não deu eco deste facto. Não é de estranhar. A violência no Brasil que se engalana para a Copa ganhou uma dimensão tal que a invasão de três favelas e a morte de "apenas" um polícia e dois bandidos é já quase e só notícia de rodapé.
Corpo do artigo
Afinal, o país do futebol tem 16 cidades no pouco recomendável "ranking" das 50 mais violentas do Mundo. Curiosamente, ou talvez não, as duas mais povoadas do país - e aquelas onde a sensação de insegurança é maior - não constam da lista. Nem o Rio de Janeiro nem São Paulo conseguem, neste momento, valores de homicídios/ano por 100 mil habitantes capazes de rivalizar com Maceió (quase 80 homicídios no ano passado), a quinta cidade mais violenta do planeta. A deslocação do crime para fora das duas grandes urbes brasileiras tem uma explicação básica. Numa geografia de bandidagem globalizada, a criminalidade desloca-se para onde há menos Polícia. Ou para locais onde as forças de segurança são mais corruptas e, por isso, menos atuantes. Das 16 cidades que integram a lista, há seis que vão receber jogos do Campeonato do Mundo.
Um estudo recente do Ministério da Justiça em Brasília refere que um em cada cinco brasileiros se sente afetado diretamente pela violência urbana no país. Este tipo de ação criminosa, analisado recentemente numa investigação da revista "Veja" - que cita fonte dos serviços secretos -, apresenta-se de risco "alto" durante a realização do Mundial. Por ser de origem dispersa, a probabilidade da violência em áreas urbanas ocorrer contra forasteiros, nomeadamente turistas, é demasiado previsível.
Mas esta não é a única preocupação das autoridades brasileiras para garantir que a "Copa das Copas", como lhe chama a presidente, Dilma Rousseff, corra sem percalços. Há outras. A maior delas nada tem a ver com crime organizado. A probabilidade de ocorrência de greves em setores estratégicos para o país e, assim, para o bom funcionamento da prova é extremamente elevada. Os poderosos sindicatos que controlam setores estratégicos em aeroportos e outros sistemas de transportes podem muito bem aproveitar a proximidade de eleições e a realização do Mundial para acenarem com a possibilidade de lançar o caos no país e, assim, retirar dividendos. As manifestações indignadas também ameaçam regressar à rua em força.
Se os maiores (e inconfessáveis) receios de quem manda se confirmarem no país que ostenta a sua Constituição democrática, de nada servirão os 100 mil homens envolvidos nas operações de segurança. As preocupações vão muito além das armas dos traficantes nas favelas.