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A reconfiguração em curso do espaço político português fará inevitavelmente emergir novos atores. Há gente à Direita, à Esquerda, no famoso e apetitoso Centro e nos extremos com a alma no estômago, o que transforma, de acordo com o satírico Ambrose Bierce, os glutões nos mais devotos homens. Se aplicarmos um sentido figurado ao glutão (mamífero da família dos mustelídeos que adora comer), chegaremos depressa ao que interessa: há muita gente de dente afiado à espera que a refeição seja servida, isto é, que os cargos de poder e do Poder fiquem disponíveis. O repasto será devorado sem chegar a arrefecer.
Não é isto da natureza da política? Infelizmente, é. E quem não está para se incomodar com esta inevitabilidade? Afasta--se. Mesmo que a sua escala valorativa reclame ação para mudar o que está, de modo a construir o que não está? Sim, mesmo assim, afasta-se. E podemos atacá-los por, digamos assim, fugirem? Poder, podemos, mas não devemos. Cada um é dono dos seus valores - e o pior que pode fazer-se é torcê-los até ao ponto em que a nossa conveniência se lhes sobrepõe.
A imagem do eixo da roda, várias vezes usada por Adriano Moreira para nos ajudar a ler o correr do Mundo, ajuda a perceber a importância do caso. A roda anda sem parar, mas o eixo mantém-se sempre firme. Ora, é no eixo que estão os valores, capazes de acompanhar a roda, mas imutáveis na posição que lhes foi destinada. Não é exercício fácil, este, mas é, creio, o exercício certo.
É à luz deste enquadramento valorativo que, muito provavelmente, deve ler-se o posicionamento de Rui Rio, ex-presidente da Câmara do Porto. Visto por muitos como o provável sucessor de Passos Coelho à frente do PSD e, logo, candidato a primeiro-ministro, Rio saltou para o carrossel dos desejados. Na verdade, foi empurrado. Cometeu um erro: não saiu a tempo, o que foi visto como um claro sinal de que estava disposto a alimentar esperanças. Se tivesse saído a tempo, escusava de desgastar-se a desdizer o que supostos apoiantes atiram, recorrentemente, para os jornais: o homem está a chegar, o país vai melhorar. E escusava de aparecer como uma espécie de tapa-buracos: tanto dá para primeiro-ministro como para presidente da República (hipótese que, como já se percebeu, agrada muito a Passos Coelho).
Estou em crer que, juntando os factos e as interpretações, os sinais e as pressões, a hipótese mais correta é esta: Rui Rio não quer ser uma coisa nem outra. Porquê? Porque está profundamente convencido de que as condições para exercer o Poder como ele gostaria de o exercer não estão, ainda, reunidas. Demasiado simples e simplista? Pode parecer. Mas, se regressarmos ao eixo da roda, talvez encontremos lá a resposta: para o bem e/ou para o mal, a escala valorativa de Rui Rio trava-o. E ele, racionalmente, aceita o travão.