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1O Governo e a maioria que o apoia colocaram definitivamente o Tribunal Constitucional no centro da vida política nacional. O que é incompreensível. Com a decisão da semana passada sobre a requalificação dos funcionários públicos, vai já em cinco o número de chumbos do TC sobre propostas apresentadas pela maioria que nos governa, em menos de dois anos.
Em abril de 2012, foi o veto ao diploma sobre o enriquecimento ilícito, após dúvidas suscitadas pelo presidente da República por violar os princípios constitucionais da presunção da inocência.
Três meses depois, na sequência do pedido formulado por um grupo de deputados, foi o veto ao corte dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos reformados, por violação do princípio da igualdade.
Em abril passado, novo chumbo, após pedido de fiscalização sucessiva de diversas normas contidas na proposta de Orçamento do Estado para este ano, requerida uma vez mais pelo presidente da República e por deputados dos partidos políticos da oposição parlamentar. Desta feita, voltou a não passar o corte nos subsídios de férias de pensionistas e de funcionários públicos, bem como os cortes no subsídio de desemprego e no subsídio de doença e ainda nos contratos de docência e investigação.
Em maio, foi a vez da chamada "Lei Relvas", a que neste espaço desenvolvidamente me referi e que definia um novo estatuto para as entidades intermunicipais. A declaração de inconstitucionalidade foi votada pela unanimidade dos juízes, na sequência do pedido de fiscalização preventiva suscitada pelo PR. A ligeireza na elaboração da Lei foi de tal ordem que a Associação Nacional dos Municípios Portugueses, onde têm assento autarcas de todos os partidos políticos, considerou a decisão do TC " uma vitória do poder local democrático e autónomo ".
Agora, foi a negação à proposta do Governo, aprovada pela maioria parlamentar, sobre o regime jurídico de requalificação dos funcionários públicos. Uma vez mais, o presidente da República teve dúvidas e suscitou a verificação preventiva da sua constitucionalidade. O resultado foi, uma vez mais, um chumbo, sendo que os juízes, no caso da "violação do princípio da confiança", decidiram também por unanimidade.
É de mais! Perante uma tão grande sucessão de vetos ocorrida em pouco mais de um ano, só ocorre pensar em leviandade, irresponsabilidade e impreparação política. Porque é de política que se trata. Nem Cavaco Silva nem Pedro Passos Coelho são especialistas de Direito constitucional. Nem teriam de o ser. Contudo, é seu dever elementar saberem rodear-se de assessores e conselheiros competentes que os ajudem a tomar decisões e lhes preparem o trabalho de casa. Em quatro das cinco decisões do Tribunal Constitucional, as dúvidas foram suscitadas pelo presidente da República. Quer isto dizer que o presidente soube escolher os seus colaboradores e o primeiro-ministro não? É evidente que não é o caso. Do que se trata é antes de uma postura arrogante do Governo e do seu líder, de que o discurso no Pontal é reflexo. É como se a tarefa patriótica de que se sentem investidos os colocasse acima de quaisquer instituições democráticas. São os fins a justificarem os meios.
Maus e perigosos caminhos, estes. Procurar dar a ideia de que o Tribunal Constitucional é a "força de bloqueio " que impede o Governo de cumprir a sua missão é, também, envolver o presidente da República na criação de dificuldades à governação do país. E, sobretudo, lembra-nos coisas que já tínhamos esquecido. Só falta agora ouvirmos repetir um "deixem-nos trabalhar...".
2. Esta semana e uma vez mais, o Tribunal Constitucional aparece no centro da vida política portuguesa ao definir o alcance da lei de limitação dos mandatos autárquicos. Ninguém consegue entender como se pôde chegar até aqui. Ao fim de oito anos de polémica, com interpretações para todos os gostos segundo a conveniência de cada um, o TC pôs ordem na casa.
Lamenta-se que os partidos políticos com assento parlamentar, na procura de pequenos ganhos eleitorais, não tenham querido clarificar atempadamente a lei, dando de si e da vida política uma péssima imagem. Todos são coniventes. Mas o PS teve aqui particulares responsabilidades.
PS. Na passada segunda-feira o JN publicou a habitual avaliação mensal da atividade dos membros do Governo. Na coluna que me diz respeito, por lapso do jornal, apareceu o ministro da Economia, Pires de Lima, com a classificação de 8 quando lhe atribuí 12. Fica aqui a correção.