"O presidente da Câmara de Felgueiras comunicou às autoridades de saúde indícios de haver pessoas em Idães que não estariam a respeitar a quarentena, no âmbito do surto de Covid-19".
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Esta notícia, impressa num qualquer jornal, entre dados catastróficos do coronavírus, deu-me vontade de convocar um realizador português para fazer o primeiro filme de ação passado nas imediações de Lousada: "Os rebeldes de Idães". As aventuras destes rebeldes sem causa (e sem noção) não são tão espantosas como as de um Rambo mas pronto... cada um tem o herói que merece.
Se a estupidez matasse... havia com certeza menos vítimas de coronavírus, porque erradicávamos uma das principais fontes de propagação. Ao longo da semana, mais do que os números das pessoas contagiadas com o maldito Covid-19, e que eram, infelizmente, previsíveis, dado o exemplo que nos chega doutros países, o que mais me espantou foram as notícias a dar conta de atitudes absolutamente lamentáveis, de portugueses e não só. A estupidez de conterrâneos nossos choca-nos sempre um pouco mais porque, nestas alturas, mais até do que em campeonatos da Europa, gostávamos de alimentar a ilusão de que somos um povo exemplar, que quando se une é imbatível. Acontece que somos um povo que se une quando não deve, tipo quinta-feira à tarde na praia de Carcavelos. E que se separa quando também não é suposto: o marido vai para o corredor dos enlatados, a mulher vai recolher papel higiénico, o filho mais velho vai a uma Corona Party com karaoke, o filho mais novo não tem aulas mas vai para o centro comercial, para não ficar em casa a maçar os pais. É uma boa tática de guerra, mas para atacar o nosso próprio exército.
Cruzamo-nos diariamente com este tipo de gente: irresponsável, egoísta, e... outros qualificativos que não posso (ou não devo) usar aqui no jornal. São fáceis de identificar: deixam o carro em segunda fila, impedindo-nos de tirar o nosso e obrigando-nos a chegar tarde aos compromissos que tínhamos, mas só o fazem porque o lugar em que costumam estacionar está ocupado: o dos deficientes. É o tipo de pessoa que nos atrapalha, nos estorva, nos tira do sério, nos faz perder carateres numa crónica de jornal ao domingo só para que o leitor perceba quão desconcertante isto é. Gente que se acha especial, com aquela ideia estafada do "só acontece aos outros" a servir de mote para transportar crianças sem cinto de segurança ou fazer gala em não usar protetor solar ao meio-dia, em agosto. O problema é quando esta estupidez deixa de causar apenas pequenos incómodos a outrem ou grandes desastres ao próprio, e passa a ser responsável pela doença ou até morte de quem não pediu para ter vizinhos de cidade ou país tão idiotas.
Pessoas como as que, sexta-feira à noite, e depois de tantos avisos, foram beber uns copos (quando o único álcool que devia interessar agora é o que se besunta nas mãos) vão, ainda que não o compreendam (porque claramente não compreendem nada, nem um cálculo básico de 2+2), sobrecarregar o SNS. Se não forem eles, serão outros a quem, por azar, transmitiram o vírus. Outros provavelmente mais velhos, que têm saído de casa apenas para o estritamente necessário e que nem sabem que o Cais do Sodré agora tem uma rua pintada de rosa... Esses inimputáveis (serão?) que não estão dispostos a ceder um milímetro nas suas rotinas e no seu conforto, para nos ajudar a todos a travar esta pandemia, não sobrecarregam apenas médicos, enfermeiros, ambulâncias, ventiladores. Sobrecarregam, por exemplo, a Polícia Marítima que têm passado os últimos dias a percorrer praias, tanto no Norte como no Sul, para dispersar veraneantes fora de época.
Faz lembrar aquele anúncio do início do século, que mostrava um simpático chimpanzé a aprender a reciclar. A conclusão dos cientistas era: "O Gervásio demorou exatamente uma hora e doze minutos a aprender a separar as embalagens usadas". E a pergunta final era: "E você, de quanto tempo mais é que precisa?". A questão aqui é exatamente a mesma. Com uma diferença: estamos em contrarrelógio. Como se vê em muitos outros países, o tempo corre contra nós, e era bom que não o desperdiçássemos. Por esta altura até o Gervásio já percebeu que é para ficar em casa. E olhem que a dele é com certeza menos confortável do que a vossa!
*Humorista